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novos materiais
2009-06-29

Pesquisadores da Unicamp vêm obtendo resultados promissores no desenvolvimento de biomateriais com fibroína de seda, que já começam a ser testados no Instituto do Coração (InCor) da USP para proteger válvulas cardíacas da calcificação, e na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) para a cultura de células e tecidos in vitro. A fibroína de seda ainda é pouco estudada na área de biomateriais, inclusive mundialmente, e motivou uma linha de pesquisa da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) que corre há apenas quatro anos.

Segundo a professora Marisa Masumi Beppu, da FEQ, a origem dos estudos que ela coordena está na necessidade de aumentar a vida útil e a eficácia das válvulas cardíacas, que geralmente são recortadas do pericárdio (tecido que reveste o coração) bovino ou suíno e implantadas assim, diretamente. “A maior causa de falhas nas válvulas é a calcificação. A idéia inicial do InCor era desenvolver um processo de secagem do material orgânico, permitindo seu armazenamento até o transplante, mas o resultado foi uma superfície extremamente rugosa que favorece a calcificação”.

Surgiu daí um projeto temático financiado pela Fapesp visando meios de recobrir o pericárdio com biopolíme­ros para protegê-lo da calcificação. Dele participam a Faculdade de Ci­ências Farmacêuticas da USP (com os professores Bronislaw Polakievicz e Ronaldo Pitombo), InCor, Unicamp e Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN). “Um biopolímero com propriedades mecânicas e químicas adequadas e que evite a rugosidade vai dar maior sobrevida à válvula cardíaca. Na FEQ, testamos também a quitosana, mas os estudos evoluíram com a fibroí­na de seda”.

Marisa Beppu orientou o primeiro es­tudo brasileiro focando a fibroína co­­mo biomaterial, no mestrado da pesquisadora Grinia Michelle Nogueira, que defendeu doutorado sobre o mesmo tema no início deste ano e agora faz o pós-doutorado no MIT (Massachusetts Institute of Technology, EUA). Suas pesquisas resultaram em patentes do método de isolamento da fibroína e de uma membrana de seda porosa junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi).

A docente da Unicamp explica que o fio de seda é composto por duas proteínas: a fibroína, responsável pela re­sistência mecânica, e a sericina, es­pécie de goma que faz a liga entre fios. Enquanto a literatura descreve pro­cessos demorados e complicados para produzir membranas de fibroína, Grinia Nogueira conseguiu reduzir o tempo de separação de quatro dias para meia hora, permitindo o uso do material em escala industrial, e sem recorrer a elementos tóxicos, o que assegura a biocompatibilidade.

Além da membrana de seda porosa, interessante por possibilitar a semea­dura de células em sua superfície, tam­bém foi produzida uma membrana densa – a que está em testes como cobertura das válvulas cardíacas de pericárdio animal. “Ainda não temos resultados conclusivos in vivo do InCor, que está avaliando a reação do material recobrindo implantes feitos em carneiros. O que posso afirmar é que os nossos ensaios in vitro indicaram uma diminuição expressiva da calcificação”.

No dia anterior a esta entrevista, Ma­risa Beppu recebeu mensagem dos pesquisadores da Unifesp informando que estavam iniciando os testes de crescimento celular sobre a membrana de seda porosa. É um trabalho que se dá no contexto do INCT – Institutos Na­cionais de Ciência e Tecnologia – em Biofabricação (Biofrabris), lançado recentemente pelo Ministério da Ci­ência e Tecnologia (MCT). “Eles ten­tarão semear células-tronco retiradas de adultos nos poros da membrana. A expectativa é grande em relação a es­se resultado”.

A professora e sua equipe, futuramente, esperam produzir uma parede de coração ou uma pele, mas há dentistas no projeto interessados em fazer crescer, por exemplo, um dente, que pos­sui várias camadas de tecidos diferentes. “O que a engenharia tecidual busca hoje são os chamados scaffolds – matrizes tridimensionais cheias de poros para as células crescerem. O sonho de todo pesquisador da área é colocar este suporte com as células no interior de um pequeno biorreator e ver sair uma orelha ou nariz”, brinca.

Seguimento
Raquel Farias Weska, que está iniciando o doutorado, seguiu os passos de Grinia Nogueira e dedicou parte do seu mestrado ao estudo da reação das membranas de seda à esterilização. Um grande problema nos biopolímeros é que a maioria não tolera temperaturas acima de 60 graus. “As membranas passaram por cinco métodos de esterilização usados comumente e, basicamente, não ocorreu degradação; apenas uma mudança na conformação molecular da fibroína, o que pode ser uma característica interessante, dependendo da aplicação”.

As membranas resistiram inclusive à autoclavagem, processo em que o material é submetido a vapor com temperatura de 121ºC e que dura de 15 a 30 minutos – e, por isso, mais utilizada para a esterilização de instrumentos cirúrgicos. “Se colocarmos o pericárdio bovino ou suíno na autoclave, ele vai cozinhar, literalmente. As membranas de fribroína mostraram-se realmente versáteis”, observa a professora Marisa Beppu.

Na outra parte do mestrado concluído no início do ano, Raquel Weska estudou a deposição de fosfato de cálcio nas membranas densa e porosa, avaliando sua possível aplicação como biomaterial da parte óssea, posteriormente in vivo. “Agora, no doutorado, vou continuar pesquisando a fibroína de seda, provavelmente na área de scaffolds para engenharia tecidual”.

Blendas
Mariana Agostini de Moraes, também integrante do grupo de pesquisa, está começando o mestrado no propósito de misturar a fibroína com o alginato (extraído de algas), outro biopolímero que apresenta grande potencial para o crescimento de tecidos. “A mistura é uma tentativa de conjugar propriedades das duas proteínas. Já existem curativos comercializados com o alginato, devido à sua resposta bastante satisfatória na cicatrização de feridas, assim como a fibroína. Juntas, a resposta pode ser ainda melhor”.

Para produzir as blendas, Mariana Moraes vem misturando as soluções dissolvidas e, também, incorporando fios de fibroína à solução de alginato a fim de aprimorar a resistência mecânica. A associação da fibroína de seda com outros biopolímeros é uma área de pesquisa praticamente inédita e, de acordo com Marisa Beppu, os resultados têm sido animadores. “É possível chegar a um curativo com boa resistência e que contenha um princípio ativo que acelere a regeneração”.

Mariana Ferreira Silva, aluna de iniciação científica, vai cuidar de outro viés da linha de pesquisa mesclando a fibroína com plastificantes. O objetivo é aumentar a plasticidade da membrana de seda que, por ser densa, se rompe quando esticada. Com a propriedade de deformação que os plásticos possuem, a aplicação da fibroína de seda se tornaria mais interessante.

A professora Marisa Beppu atenta que estas pesquisas, em boa parte, ainda se limitam a desbravar as propriedades que a fibroína pode oferecer, resultando em material para testes in vitro ou in vivo em instituições parceiras. “Tudo isso nasceu em 2005, mas já notamos a boa repercussão em congressos no exterior. Acredito que logo teremos muitos pesquisadores se embrenhando nos componentes da seda”.

Aranhas
Em sua dissertação de mestrado, a pesquisadora Raquel Weska conta que as sedas produzidas pelo bicho-da-seda domesticado (Bombyx mori) e por aranhas do gênero Nephila, como a Nephila clavipes, são as mais estudadas no intuito de compreender o mecanismo de processamento e explorar as propriedades destas proteínas como biomaterial. Elas apresentam propriedades mecânicas surpreendentes, além de serem biocompatíveis e modificáveis quimicamente.

A professora Marisa Beppu trabalhava em uma multinacional da área química, quando a empresa tentou reproduzir a fibroína de aranha em laboratório. “Na época, só se falava em fibroína e suas propriedades. Imaginavam uma corda feita de teia, superresistente, mas acabaram desistindo porque é muito difícil replicar o que a aranha faz naturalmente: alinhar todas as moléculas de maneira a dar resistência mecânica ao material”.

De qualquer forma, a natureza das aranhas inviabiliza seu confinamento e a extração de fibroína em escala. Já os fios do bicho-da-seda são utilizados comercialmente para suturas biomédicas há décadas, e na produção têxtil há séculos, graças a grandes safras da atividade que ganhou até denominação própria: a sericultura, facilitada pelo fato de que as larvas poderem ser mantidas em altas densidades.

Dados levantados por Raquel Weska apontam que a produção mundial de seda subiu de cerca de 100 mil toneladas em 2000 para 150 mil toneladas em 2008, sendo que a China responde por 70% do total. “Embora venha bem abaixo, o Brasil ocupa o segundo lugar, tendo o Paraná como maior produtor, seguido de São Paulo e Mato Grosso do Sul”.
Afora a área médica, a fibroína de seda está praticamente limitada à área têxtil, onde o consumo já havia caído consideravelmente quando o náilon invadiu o mercado. Entretanto, na opinião de Marisa Beppu, a baixa produção não seria um fator limitante, caso os biomateriais em estudo sejam viabilizados economicamente. “Certamente, surgiriam várias cooperativas voltadas a uma cultura relativamente simples, que pede basicamente as folhas da amoreira e as larvas”.

Em seu laboratório na FEQ, a docente recebe seda de uma cooperativa de Bastos (SP), mas afirma que as membranas de fibroína podem ser produzidas apenas com o que seria considerado como refugo do produto. “Se a indústria têxtil necessita de fios longos para a fiação, nós preferimos justamente as rebarbas para solubilizá-las e realizar os demais processos de laboratório ”.

(Por Luiz Sugimoto, Jornal da Unicamp / EcoDebate, 24/06/2009)


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