As aberrações em termos de desorganização urbana cometidas em São Paulo nos últimos 20 anos irão se multiplicar por dez com a revisão do Plano Diretor em curso. Não está havendo uma visão macro da cidade, das consequências da expansão imobiliária sobre determinados bairros que não comportam mais adensamento, da crucial questão da circulação de veículos, da poluição e do equipamento urbano adicional que se requer nas áreas adensadas.
Os governos militares criaram a noção de Área Metropolitana, sendo criadas nove áreas no país, cada qual com um órgão regulador metropolitano bem estruturado. Criaram-se dentro desse processo mecanismos de articulação entre as prefeituras de cada área, Conselhos de Cidades, com uma visão de conjunto, com excelentes resultados, acumulando-se um capital de conhecimentos sobre drenagem, córregos, bacias, vias comuns a varios municípios, fluxos de tráfego, saneamento integrado, transportes coletivos, etc. Esse esforço e o conhecimento acumulado foram jogados fora, a noção de área metropolitana foi perdida após 1988; em São Paulo, aonde o conceito estava mais avançado, o Governo Covas liquidou com a entidade metropolitana, só não a extinguiu por razões legais.
Regrediu-se então aos planos diretores isolados que, por falta de visão macro, nada mais são do que autorizações para edificar. Aonde era probidida a edificação vertical, o poder municipal (prefeito e camara) negocia com o meio imobiliário a permissividade. A revisão do plano diretor nada mais é que isso.
Voltaremos então ao modelo Vila Olímpia, onde ruas estreitas com casinhas deram lugar a megaedifícios de 30 andares, dando para a mesma ruazinha, gerando um tráfego inteiramente incompatível com o entorno. O modelo Vila Olímpia vai se repetir em outros bairros adensados, constrói-se muito mais e ponto final, não há qualquer outra providência no entorno urbano. Esse será o unico resultado dessa revisão mal-intencionada do Plano Diretor, que já é ruim sem mexer. São Paulo está sem visão de futuro, sem um processo de planejamento real, para valer, com base na vocação da cidade e das necessidades dos habitantes de hoje e de seus filhos e netos. Nada disso está sendo discutido. O negócio é só atender ao setor de construções e acaba aí. A bem da verdade, os quebra-galhos urbanos não acontecem só em São Paulo, estão se repetindo por todo o Brasil.
A noção de planejamento urbano, com especial atenção às areas metropolitanas, que foi desenvolvida na década de 70 com grandes experiências como a Emplasa, a Planbel e a Fundrem foi literalmente jogada na lata do lixo, porque esse conceito de visão integrada atrapalha as negociações políticas de balcão que se fazem em cada cidade isoladamente. A politica miúda municipal que veio do modelo da Nova República não tem interesse nessas bobagens de urbanistas, é muito melhor operar no varejo de hoje do que pensar nos filhos e netos que habitarão na São Paulo do futuro.
Quando se fizer a revisão histórica do Regime Militar de 64-85, coloque-se a seu crédito um avançado processo de planejamento urbano com uma visão estratégica sofisticada, que inclusive embasou a construção dos metrôs de São Paulo e Rio e que foi simplesmente extinta pelos governos sucessores. Hoje as cidades brasileiras, grandes, médias e pequenas estão à deriva, os planos diretores são apenas matéria-prima de negócios imobiliários.
(Por Andre Araujo, Blog do Luís Nassif, 28/06/2009)