A combalida indústria de etanol dos Estados Unidos ganhou novo fôlego na semana passada, quando seus aliados no Congresso americano deram um passo significativo para impedir o governo federal de impor restrições que as usinas consideram uma ameaça à sua sobrevivência. A legislação dos EUA condiciona o avanço dos biocombustíveis no país a reduções substanciais nas emissões dos gases que contribuem para o aquecimento global, e a Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês) propôs recentemente a adoção de novos critérios para avaliar o impacto dos vários tipos de biocombustível.
Na semana passada, a bancada que defende os interesses dos fazendeiros americanos no Congresso convenceu os aliados do governo no Partido Democrata a interromper esse processo, suspendendo por cinco anos a adoção da metodologia proposta pelos ambientalistas e determinando que o governo faça novos estudos antes de implementá-la. Diversos dispositivos para proteger as usinas de etanol foram incluídos num projeto de lei sobre mudanças climáticas que a Câmara dos Representantes dos EUA aprovou sexta-feira (26/06), após meses de discussão. As concessões feitas à bancada ruralista foram cruciais para assegurar a aprovação do projeto, que agora será debatido pelo Senado.
A mudança poderá prejudicar usineiros brasileiros interessados em exportar álcool para os EUA. As usinas do Brasil são bem mais eficientes que as americanas e podem ser beneficiadas pelas normas defendidas pela EPA. Se a mudança for confirmada pelo Senado, as usinas americanas ganharão tempo para se expandir livres das restrições propostas pelos ambientalistas.
No centro dessa discussão está um aspecto polêmico da metodologia da EPA. Além de emissões de gases-estufa associadas à produção e à distribuição de biocombustíveis, a agência quer contabilizar emissões associadas ao desmatamento e a outras mudanças no uso da terra atribuídas à expansão das usinas. Essa metodologia é especialmente prejudicial para as usinas americanas, que usam milho para produzir etanol. Cálculos preliminares apresentados em abril pela EPA sugerem que o etanol de milho é pior para o clima do planeta que a gasolina, se forem considerados efeitos indiretos como a expansão do plantio de soja em lugares como o Brasil.
O projeto aprovado sexta-feira determina que o governo considere somente os efeitos indiretos verificados no país em que o biocombustível for produzido, ignorando mudanças no uso da terra em outras regiões do mundo. Isso ajudaria as usinas de etanol de milho a se enquadrar nas exigências estabelecidas pela legislação americana. "Penalizar os biocombustíveis por decisões tomadas em outras partes do mundo é um desafio à lógica", disse o presidente da Associação dos Combustíveis Renováveis, (RFA, na sigla em inglês), Bob Dinneen, principal porta-voz das usinas americanas.
No caso do álcool brasileiro, que é feito de cana-de-açúcar, os efeitos indiretos atribuídos pela EPA à produção do combustível ocorrem no território brasileiro e continuariam sendo contabilizados. "Essa mudança melhora artificialmente a imagem do etanol de milho e seu resultado é discriminatório para o Brasil", disse o representante da União da Indústria da Cana-de-açúcar (Unica) nos EUA, Joel Velasco.
Metas definidas em lei obrigam as refinarias dos EUA a adquirir todos os anos volumes crescentes de biocombustíveis para misturá-los à gasolina, mas fixam um limite para a produção de etanol de milho e determinam que a partir de 2015 as refinarias comprem volumes maiores de combustíveis capazes de assegurar cortes significativos nas emissões de gases-estufa.
Se os critérios propostos pela EPA fossem aplicados hoje, somente o álcool brasileiro poderia atender a essa exigência, mesmo se sua contribuição para o desmatamento e outros efeitos indiretos fossem levados em conta. Biocombustíveis avançados como o etanol celulósico, que prometem benefícios ambientais maiores, ainda não são produzidos em escala comercial.
Os EUA devem consumir 42 bilhões de litros de biocombustíveis neste ano, e as usinas americanas têm condições de atender à maior parte dessa demanda. A legislação determina que o consumo americano atinja 136 bilhões de litros em 2022, quando 79 bilhões de litros teriam que ser adquiridos de produtores mais eficientes que os atuais. As usinas de etanol de milho temem que seus competidores brasileiros ganhem espaço no mercado americano se tecnologias mais limpas não se tornarem viáveis até lá e por isso mobilizaram seus aliados no Congresso para deter os ambientalistas. Muitas usinas americanas têm enfrentado dificuldades financeiras e pelo menos 23 fecharam as portas recentemente.
(Por Ricardo Balthazar, Valor Econômico, 29/06/2009)