A área indígena Cuminapanema, no norte do Pará, abriga um grande sucesso e um dos maiores desafios da política indigenista da Funai. Os zo'é, etnia de recente contato com o homem branco, foram salvos pela Funai em 1989 de uma epidemia de gripe levada por missionários evangélicos. Hoje, preservados, eles mantêm seus costumes e sua cultura, protegidos do contato com o branco. A dúvida agora é como preparar esses índios para o contato inevitável que terão em pouco tempo com a realidade fora das aldeias.
Por enquanto, a política da Funai tem sido preservar ao máximo esses 245 índios numa frente de proteção etnoambiental. Mas os próprios zo'é mostram-se ansiosos pelo contato com o que está fora da área indígena. A depender da Funai, essa aproximação demorará pelo menos dez anos. Até lá, tentarão descobrir como preparar os zo'é para ter esse convívio e manter suas tradições. "Muitos nos criticam porque criamos uma redoma aqui. Mas não temos uma cartilha para saber como faremos essa transição. Não temos fórmula matemática. Nós só sabemos o que queremos", afirmou João Rabelo, funcionário da Funai que cuida há 13 anos da área. "Eles precisam ter um tempo necessário para que possam compreender o risco desse contato para eles. Colocá-los em contato imediatamente com a civilização ocidental seria um ato de violência", resume o presidente da Funai, Márcio Meira. "Precisamos fazer essa transição para que isso aqui não seja uma vitrine do exótico."
Nunca o órgão teve como - ou simplesmente não era essa a sua política - preparar os índios para o contato. "Essa é a política da Funai hoje com relação aos índios isolados. Não se procura contato para que não haja interferência, mas se os índios quiserem o contato, a Funai deve mediá-lo para que não seja devastador", afirmou o ministro da Justiça, Tarso Genro. Enquanto não libera essa aproximação entre brancos e índios, a Funai tentará fortalecer a cultura dos zo'é e mostrar, paulatinamente, o que aconteceu com as outras etnias após o contato. Muitas foram dizimadas, outras abandonaram seus hábitos ou suas tradições.
"Queremos fazer isso para que estejam fortes para quando houver esse contato, queremos evitar um deslumbramento deles pelos nossos bens, o que pode causar uma desestruturação dos seus costumes. É importante que esse povo vá forte para esse contato", explicou o coordenador-geral de Índios Isolados da Funai, Elias dos Santos Bigio. "Se não houvesse isso, os índios seriam levados à promiscuidade, ao alcoolismo", acrescenta João Lobato.
O primeiro contato dos zo'é com os brancos, sem a intervenção da Funai, por pouco não provocou a extinção da etnia. A epidemia de gripe na década de 1980 provocou a morte de um quarto dos índios da área. Quando a Funai chegou à região para intervir e expulsar os missionários, havia apenas 131 zo'é nas aldeias. Seis anos depois, o número havia subido para 155. Hoje, são 245 índios.
Um dos principais empecilhos para preservar os zo'é desse contato imediato é a constante pressão de missionários interessados em levar a religião católica ou evangélica para dentro das aldeias. A Funai tem detectado que índios Wai-Wai, que já foram contatados por esses missionários, tentam se aproximar dos zo'é. Como também são índios e habitam uma área próxima, a Funai não tem como proibir a aproximação.
Para evitar a presença de missões religiosas, o governo estuda um decreto que submeterá a um controle rígido o ingresso de organizações não-governamentais em áreas indígenas. O texto está parado na Casa Civil, mas será retomado por pressão do Ministério da Justiça. Além disso, a área é alvo constante do interesse de garimpeiros e madeireiros. A grande extensão e a dificuldade de acesso às aldeias dificultam a fiscalização. A Funai cobra a presença e fiscalização por parte da PF.
(Por Felipe Recondo, O Estado de S. Paulo / IHUnisinos, 28/06/2009)