A medida provisória 458, que estabelece regras para a regularização fundiária de 67,4 milhões de hectares de terras públicas na Amazônia e será assinada nesta quinta (25/06) pelo presidente Lula, tem nove pontos que ferem a Constituição Federal. A conclusão consta de nota técnica encaminhada ontem a Lula pelo Grupo de Trabalho de Bens Públicos e Desapropriação, formado por três procuradores do Ministério Público Federal. Há duas semanas, 37 procuradores que atuam na Amazônia já haviam se manifestado contra a medida.
Desta vez, a manifestação é assinada por procuradores que atuam no Espírito Santo, no Paraná e em Mato Grosso do Sul. Segundo eles, a medida provisória "atenta contra a política nacional de reforma agrária, contra a legislação de licitações e prejudica a proteção a populações tradicionais". A sanção integral colocará sob risco, segundo a nota, "povos indígenas, quilombolas e também posseiros pobres que foram atraídos para a Amazônia por estímulo governamental". Os procuradores lembraram a ausência de menção, no texto, à identificação de áreas pertencentes a esses grupos.
"Desta forma, a MP aumenta a possibilidade de conflitos em razão da titulação indevida destes locais, alterando e comprometendo atributos que garantem a integridade do bioma amazônico", diz a nota técnica. A destinação de terras a ocupantes "originariamente ilegais" é, segundo a nota, inconstitucional. "O aproveitamento da omissão do Estado contraria o parágrafo único do artigo 191, que proíbe a aquisição de imóveis públicos por usucapião."
Já a dispensa de licitação não atende, segundo a nota, aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. "A única circunstância que o difere [o posseiro ilegal] de demais interessados na terra seria sua ocupação primitiva, seu pioneirismo na ilegalidade." Outro ponto controverso é o que abre a possibilidade de negociação das terras regularizadas após três anos -quando o prazo constitucional mínimo é de dez anos. Para os procuradores, a regra atual existe justamente para evitar "que a ocupação do imóvel rural seja mero objeto de especulação".
A nota diz que a regularização fundiária por meio de "titulação direta" e sem licitação é possível, mas apenas "diante dos princípios que regem a reforma agrária e após a demonstração dos requisitos indispensáveis à comprovação da função social da propriedade rural (sob pena de inconstitucionalidade e desvio de finalidade)". A reportagem procurou o Ministério do Desenvolvimento Agrário, mas não conseguiu contato com o setor responsável. A assessoria de Kátia Abreu (DEM-TO), relatora da MP no Senado, disse que tentaria contato com a senadora, mas não respondeu até a conclusão da edição.
(Por Rodrigo Vargas, Folha de S. Paulo, 25/06/2009)