A biodiversidade da Mata Atlântica tem sido objeto de diversos estudos realizados no âmbito do programa Biota-FAPESP, que está completando dez anos. Um dos ecossistemas mais ricos em matéria de biodiversidade, a Mata Atlântica é também um dos mais ameaçados de extinção, estando hoje reduzida a menos de 8% de sua extensão original. São Paulo abriga 15% do que restou. Um Projeto Temático ligado ao Biota-FAPESP reúne especialistas em solo, vegetação e luz com a tarefa de descobrir as razões das diferenças entre as florestas paulistas.
Para o coordenador do Temático, Ricardo Ribeiro Rodrigues, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP), saber como uma floresta se diferencia, se reorganiza e reage a fenômenos locais ou globais, como as mudanças climáticas – além de conhecer os elementos que atuam na seletividade de espécies que compõem os tipos florestais –, é fundamental para estabelecer mecanismos mais eficientes de conservação da biodiversidade e também de restauração dessas áreas. “Não só para conservar a espécie, mas também o ambiente no qual a espécie ocorre, além de contribuir para criar mecanismos que levem à possibilidade de restauração de ambientes que foram historicamente degradados”, explicou Rodrigues, que coordenou o Biota-FAPESP de outubro de 2004 a março de 2009.
Intilulado Diversidade, dinâmica e conservação de árvores em florestas do Estado de São Paulo: estudos em parcelas permanentes, o Temático demarcou quatro áreas de 10 hectares cada e que representam os principais tipos de vegetação natural no Estado: uma amostra de Mata Atlântica do interior, o Cerradão, a restinga e uma amostra de Mata Atlântica da Serra do Mar. A ideia era conseguir entender o funcionamento e os respectivos componentes de cada uma dessas amostras, de forma particular, e depois comparar os dados entre elas. “Os resultados revelaram que as florestas são organismos únicos, dotados de diferenças significativas no modo de funcionamento”, apontou Rodrigues.
Na Mata Atlântica do interior, integrada à Estação Ecológica de Caetetus, no sudoeste paulista, a fertilidade do solo contribui para a diversidade de árvores da floresta. Foram identificadas 150 espécies com até 30 metros de altura. Para as plantas dessa floresta, não faltam nutrientes nem água, porque o solo retém a chuva que cai entre novembro e janeiro. Mas foi por causa da riqueza desse solo, somado ao relevo plano, que muitas matas desse tipo no interior paulista foram derrubadas para dar lugar às pastagens, ao café, à cana-de-açúcar ou à soja.
Na reserva de Mata Atlântica que integra o Parque Estadual Carlos Botelho foram identificadas 240 espécies de árvores. A área se caracteriza por árvores com troncos cobertos de bromélias e por ser a mais escura das quatro estudadas. As folhas mais próximas à superfície do solo recebem apenas 1% da luz que chega ao topo da floresta.
Já o Cerradão da Estação Ecológica de Assis, no município de Assis, sudoeste paulista, é o ambiente mais iluminado e seco dos quatro. Apresenta a maior densidade de árvores: 23.495 em 10 hectares, quase o dobro das outras áreas, embora a diversidade seja a menor: apenas 122 espécies. Mas as árvores raramente passam dos 15 metros por causa do solo pobre em nutrientes. E, por ser mais arenoso, o solo deixa escoar a água da chuva e seca rapidamente. Na restinga do Parque Estadual da Ilha do Cardoso, em Cananeia, no extremo sul do Estado, foram identificadas 16.890 árvores de 177 espécies diferentes. Nesse ambiente, elas raramente passam dos 15 metros de altura por causa do solo pobre em nutrientes, como no Cerradão.
Rodrigues destaca que remedições periódicas precisam continuar a ser feitas, especialmente nas florestas da região oeste paulista, em que há fragmentos muito pequenos, mas com papel importante na conservação da biodiversidade remanescente. Uma parcela muito representativa da biodiversidade está em pequenos fragmentos dentro de propriedades privadas.
Palmeiras da Serra do Mar
Outro estudo ligado ao Biota-FAPESP procurou conhecer a riqueza de espécies de palmeiras () na Serra do Mar. A partir do trabalho Distribuição da comunidade de palmeiras no gradiente altitudinal da floresta atlântica na região nordeste do Estado de São Paulo, coordenado por Simey Thury Vieira Fisch, 11 espécies foram estudadas. “Pode parecer uma contribuição pequena, mas, anteriormente, pouco se sabia sobre essa família de plantas na Mata Atlântica. É a primeira vez que se chega ao nível de detalhamento obtido nesse trabalho, que vai da plântula ao adulto”, disse a professora de botânica do Departamento de Biologia da Universidade de Taubaté (Unitau), que realizou o estudo com apoio da FAPESP na modalidade Auxílio a Pesquisa – Regular no período de 2002 a 2005.
“No primeiro momento queríamos saber onde elas ocorriam, em que densidade, em que altitude, que tipo de floresta há em cada ambiente, enfim, saber como é que estão distribuídas ao longo do gradiente da Serra do Mar. Esses dados são importantes para podermos prever o que pode acontecer daqui a um certo tempo”, explicou.
A pesquisa permitiu conhecer, por exemplo, quais são as áreas de ocorrência de palmeiras ameaçadas de extinção. Segundo Simey, até então, quem ia a campo não sabia reconhecer essas espécies. O objetivo é fazer um catálogo virtual do material identificado. A pesquisadora conta que, nas matas do Estado de São Paulo, as palmeiras são frequentemente associadas somente ao palmito e a existência das demais espécies – que, em geral, têm algum uso comercial, como paisagístico – é pouco conhecida.
Além disso, palmeiras são bioindicadores de áreas alteradas ou preservadas. Há espécies extremamente sensíveis a alterações ambientais, ao passo que outras predominam quando a área é alterada. São palmeiras mais resistentes e que são raras em áreas preservadas, como, por exemplo, o jerivá (Syagrus romanzoffiana). “Diante disso, poderíamos indicar espécies para recompor áreas que estão degradadas e que foram empobrecidas, a partir do conhecimento da dinâmica delas”, disse.
Atualmente, Simey integra a equipe do Temático coordenado por Carlos Alfredo Joly, professor do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e atual coordenador do Biota-FAPESP. Com o Temático o grupo está refinando o conhecimento e buscando respostas que poderão subsidiar questões importantes como o impacto das mudanças climáticas. “A palmeira não gosta de clima frio. Ela é tropical. Se aquecer, será que vamos expandir as áreas de palmeira no mundo?”, questiona.
Segundo a botânica, com o aquecimento global já se nota a invasão de palmeiras no sopé dos Alpes suíços, anteriormente somente encontradas na Europa em situações especiais – em estufas de jardins botânicos, por exemplo. Estão sendo feitas análises para tentar modelar a abrangência desse fenômeno. “Saber quais são as restrições e preferências ambientais das espécies são dados importantes para modelagem do sistema terrestre, para podermos prever onde vamos ter essas palmeiras ocorrendo, a partir de resultados de simulação de modelos climáticos”, disse.
(Por Jussara Mangini, Agência Fapesp, 24/06/2009)