A rede varejista Wal-Mart anunciou nesta terça (23/06) que irá exigir de frigoríficos localizados no bioma amazônico a apresentação de um laudo, elaborado por auditores independentes, que garanta que as fazendas fornecedoras de bovinos não estejam envolvidas em desmatamento ilegal ou denúncias de corrupção de fiscais, como foi divulgado na semana passada. A ideia é forçar a sustentabilidade em toda a cadeia de fornecedores da varejista - além da carne, os frigoríficos vendem outros subprodutos do boi para empresas de cosméticos e higiene, por exemplo.
Em cerimônia para divulgar o "Pacto Pela Sustentabilidade, Construindo a Cadeia de Suprimentos do Futuro", que reuniu cerca de 300 fornecedores em São Paulo, a vice-presidente de sustentabilidade do Wal-Mart no Brasil, Daniela de Fiori, informou que os frigoríficos JBS, Marfrig e Bertin assinaram há dois dias um compromisso de apresentar, em 30 dias, o nome das empresas que farão a auditoria, a partir de uma lista fornecida pelo próprio Wal-Mart. Entre as sugeridas, PricewaterhouseCoopers, Deloitte e Ernst & Young. Os frigoríficos deverão entregar os primeiros laudos em 90 dias.
A decisão é mais um desdobramento do relatório "A Farra do Boi na Amazônia", publicado pela organização ambientalista Greenpeace, e a lista do Ministério Público Federal do Pará (MPF) e do Ibama sobre empresas da cadeia da pecuária acusadas de contribuírem para desmatar a maior floresta tropical remanescente no planeta. O relatório do MPF não poupou grandes nomes nem marcas associadas à sustentabilidade, como a dos detergentes Ypê.
De olho nas inevitáveis ranhuras de imagem, as varejistas Wal-Mart, Pão de Açúcar e Carrefour anunciaram um boicote conjunto da carne bovina oriunda do Pará. Só não explicaram quais unidades de abate de bovinos iriam suprir a demanda interrompida do Estado. O Pará fornece 12% do total da carne adquirido pela Wal-Mart no Brasil, segundo informou o presidente da empresa no Brasil, Héctor Núñes.
De qualquer forma, a exigência da Wal-Mart de laudos independentes dos frigoríficos é um passo mais concreto que o simples anúncio de boicote. Isso porque a decisão de deixar de comprar não responde a algumas perguntas: como saber quais fazendas fornecedoras de gado na Amazônia cumprem, de fato, a legislação ambiental? Quem tem o controle sobre isso? As propriedades passarão a ser mapeadas por satélite (a única maneira precisa de checar desmates)?
"Vamos iniciar o processo de auditoria para entender a origem e o transporte dos animais", explicou Núñes, em entrevista à imprensa. Os custos da certificação, disse, ficarão com os próprios frigoríficos. Embora digam que conhecem seus fornecedores e garantem suas práticas corretas em relação ao ambiente, os varejistas, na verdade, não têm hoje outro mecanismo de monitorar a veracidade dessas informações a não ser pela chamada "lista negra" de propriedades embargadas publicada pelo Ibama. E a fiscalização do Ibama, como se sabe, contém muitas falhas.
"E o que você quer que a gente faça? O papel do Estado?", questiona o ex-ministro da Agricultura e atual membro do conselho de sustentabilidade e administração do JBS/Friboi, Pratini de Moraes. "Nos baseamos nos dados oficiais". Pratini, que já presidiu a Associação Brasileira dos Exportadores de Carne Bovina (Abiec), atrelou o debate do desmatamento a interesses comerciais. Embora defenda a Amazônia, disse que o desmatamento é a nova barreira não-tarifária de concorrentes e organizações ambientais. "Cansaram da vaca louca e da febre aftosa, agora pegaram outra coisa", disse ele, minutos antes da assinatura do compromisso público dos fornecedores e a varejista Wal-Mart.
Enquanto Núñes falava a uma plateia silenciosa, representantes de um grande frigorífico conversavam nos corredores sobre as novas exigências. Um deles não parecia feliz com o "curto" período de tempo para a adequação das fazendas.
(Por Bettina Barros, Murillo Camarotto e Cláudia Facchini, Valor Econômico, 24/06/2009)