Lideranças Matsés, Kanamary, Marúbo e Matis participaram do I Seminário: Saúde e Gestão Territorial e Aproveitamento Sustentável do Vale do Javari, realizado entre 11e 14 de junho, no auditório da Administração Executiva Regional da Funai /AM. O seminário contou com a participação de representantes da FEPI, Funai, UFAM, CTI, Cimi, Frente de Proteção Etno-ambiental, Exército Brasileiro - 8°BIS, União dos Povos Indígenas do Vale do Javari – UNIVAJA e suas associações regionais: AMAS, ASDEC, AKAVAJA, AIMASS, AIMA e lideranças comunitárias.
A Terra Indígena Vale do Javari, demarcada e homologada pelo Decreto Presidencial de 02 de maio de 2001, é a segunda maior do país, com uma área de mais de 8,5 milhões de hectares e 2.068 quilômetros de perímetro, abrangendo os territórios dos povos Kanamary, Kulina Pano, Marubo, Matis, Matsés, Korubo, Tsohom Djapá e de diversos povos indígenas autônomos. A população é de 3.757 pessoas, segundo censo realizado pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa) em 2008, sendo que este número não inclui as populações indígenas “autônomas”.
A demarcação da Terra Indígena garantiu o direito constitucional a esses povos. Entretanto, paralelo ao processo de regularização fundiária, não se desenvolveu uma política de sustentabilidade que permitisse garantir a vida e a cultura das comunidades e populações contatadas. Atualmente há 21 aldeamentos com 32 malocas, de referências confirmadas de povos autônomos, identificados pela Frente de Proteção, localizados nas bacias dos rios Quixito, Ituí e Itaquaí e nas bacias dos rios Jandiatuba e Jutaí, além de outras referências de autônomos na face ocidental da Terra Indígena. Isso permite afirmar que o Vale do Javari representa a maior concentração de grupos autônomos numa área, com potencial da fauna e flora, recursos hídricos e biológicos de grande importância hoje para o mundo.
Até o término do processo de regularização fundiária, a região teve seus recursos naturais intensamente explorados pela população não-indígena com fins comerciais, comprometendo recursos essenciais para sobrevivência dos povos indígenas da região, a presença não-indígena provocou inúmeras epidemias e caracterizou-se por sucessivos massacres daqueles que resistiam à invasão de seus territórios.
As regiões do Vale do Javari, localizadas na faixa de fronteiras, e em áreas demarcadas, vem encarando graves índices de degradação ambiental, com a destruição da fauna e flora, através da atuação ilegal de caçadores, pescadores e madeireiros peruanos e brasileiros, processo que está mudando o modo tradicional e sobrevivência das famílias indígenas. Tal presença de invasores se dá devido a falta de fiscalização e proteção territorial na fronteira entre Brasil e Peru e em áreas de fronteiras com municípios. Um exemplo é o médio rio Javari, por ter livre acesso, não se respeita o limite da terra demarcada, deixando em risco a vida dos povos indígenas Matsés e Kanamary, considerada área “vulnerável e em situação de risco”.
Políticas econômicas
A grande preocupação são as políticas econômicas elaboradas pelos países para atuação das grandes empresas multinacionais que estão loteando o território peruano nas margens do rio Javari, para exploração da madeira, petróleo e outras riquezas existentes no solo e subsolo. Tal loteamento é de europeus, norte-americanos, asiáticos, canadenses, japoneses e brasileiros (Petrobrás) que futuramente irão gerar graves problemas de degradação ambiental e, com isso, poluirão os rios e destruirão a floresta nas fronteiras.
Outro problema encarado é a falta de alternativas econômicas para geração de renda. Apesar dos povos indígenas terem sido influenciados pela exploração do caucho e látex da seringueira, e por último na extração de madeira, onde aprenderam trocar produtos por materiais industrializados, não se teve o apoio para desenvolver um sistema produtivo próprio que desse sustento à relação entre os povos e a sociedade nacional.
Hoje os indígenas vivem sem alternativa para suprir as necessidades, tendo como único meio de renda o artesanato que vendem aos atravessadores, com um valor muito baixo. Outros produzem farinha de mandioca, também sem muita saída no mercado. Há também os Agentes Indígenas de Saúde, Professores e Aposentados que recebem seus vencimentos. Com isso, os jovens, se revoltam pela falta de geração de renda, apesar de a área ser rica em peixe, madeira e outras riquezas naturais que a região oferece. Sem o apoio técnico para elaboração dos projetos, além da falta de capacitação e orientação para produzirmos, não há como produzir com qualidade e colocar num mercado justo.
Assim, se sentem excluídos nos programa do Estado e Município, porque não participamos das discussões sobre alternativas econômicas. Por conta disso, vem aumentando saída de jovens para cidades vizinhas, abandonando suas comunidades de origens em busca de emprego, esvaziando seu habitat natural, se envolvendo com os invasores, facilitando ainda mais a presença da violação do território e gerando preocupação entre os povos da mesma região.
Questão de saúde
Uma situação mais difícil que se enfrenta na grande maioria das sub-regiões do Vale do Javari é a dura fragilidade deixada pela epidemia de hepatite e malária. Essa vulnerabilidade desmembrou famílias inteiras e dividiu comunidades. Hoje, aos poucos, tenta-se resgatar e fortalecer as tradições, no entanto, com relação à saúde o órgão responsável não deu uma resposta estrutural à problemática dos povos e continua com ações paliativas, sem melhorar a saúde das populações indígenas com a continua ausência de meios de transporte, comunicação, estruturas dos Pólos Base, atividades de prevenção, medicamentos, capacitação dos AIS. Assim, continua aumentando a malária, a transmissão de hepatite, tuberculose e filariose que vem causando morte e dor entre os povos.
Educação
A educação escolar não é diferente. O MEC, SEDUC e SEMED não oferecem o ensino de qualidade, nem uma transformação da educação para estar de acordo com a cultura dos distintos povos. As escolas estão sem receber material didático apropriado, prejudicando as crianças nas salas de aula. Os professores estão sem receber cursos de formação e as escolas sem condições de cumprir com os seus objetivos.
Mobilização
Diante do exposto, os indígenas do Vale do Javari estão se mobilizando através das associações comunitárias e da União dos Povos do Vale do javari (Unijava) com o intuito de melhorar a situação nas comunidades. Através do apoio da FEPI e de outros parceiros foi realizado o Seminário Saúde e Gestão Territorial e Aproveitamento Sustentável do Vale do Javari, elaborando mapas de cada sub-região do Vale do Javari e identificando neles as problemáticas de educação, saúde, proteção do território e projetos produtivos.
O Seminário destaca o potencial organizacional e autonomia desses povos, práticas de subsistência, cultura, economia que busca atender as demandas de cada comunidade, e propõe alternativas que venham a fortalecer o desenvolvimento sustentável e geração de renda. Assim, existe a possibilidade de se organizarem para garantir o futuro das crianças órfãs e jovens que estão necessitando de apoio na educação, saúde, sustentabilidade e seguridade alimentar.
Este trabalho marca uma nova fase da relação dos povos Indígenas com a Funai, Funasa, Órgãos de controle territorial e o Estado Nacional de forma geral para obter uma resposta aos pedidos desses povos. A situação de saúde do Vale do Javari é dramática e caracteriza-se por epidemias de hepatites A, B, C e D, malária, filariose, tuberculose e outras graves enfermidades, o que é confirmado por levantamentos realizados entre os povos Kanamary, Kulína Pano, Marúbo, Matís, Matsés e korubo, nos últimos anos.
(Cimi, 23/06/2009)