A luta pela água na Palestina não é, com no resto do mundo, em prevenção à mudança climática ou em oposição a manobras das corporações multinacionais, mas pelo simples acesso a este elemento básico e contra sua contaminação. Em árabe, como em todos os idiomas, se diz que “sem água não há vida”, afirmou Mohammad Ahmed, diretor do Departamento de Controle Hídrico da Autoridade Palestina da Água. Seja como for, aqui “o esgotamento e a deterioração das camadas subterrâneas são muito rápidos”, acrescentou.
O aquífero costeiro e o lenço freático de Gaza são s principais fontes de abastecimento dos setores agrícola, comercial, industrial e público, disse Ahmed. Mas, devido aos ataques israelenses contra esse território da Palestina entre 27 de dezembro e 17 de janeiro, boa parte da infra-estrutura hídrica ficou destruída ou danificada. A situação, portanto, é pior do que antes. A destruição causada pelos bombardeios, tanques e tratores de Israel em toda Gaza também deteriorou a rede de saneamento. Cerca de 15 mil metros cúbicos de esgoto sem tratar ou parcialmente tratado fluíram por terras agrícolas e residenciais, e até mesmo para o mar Mediterrâneo. A média diária de esgoto ainda bombeado para o mar é de 80 mil metros cúbicos.
A crise no tratamento da água é uma catástrofe que vem se agravando ao longo de décadas. O Departamento de Meio Ambiente e Ciências da Terra, da Universidade Islâmica de Gaza, informava em 2004 que as camadas subterrâneas já estavam “deterioradas em um grau que a água da rede municipal se tornara salobra e inadequada para consumo humano”. Entre as técnicas introduzidas para melhorar a situação estavam dessalinização e procedimento de filtragem conhecido como osmose inversa – que emprega membranas semipermeáveis – além da importação de água engarrafada e coleta de chuva.
Mas essas iniciativas ficaram cada vez mais inúteis após anos de ataques israelenses contra a infra-estrutura de Gaza, combinados com suas sanções e o sítio que Israel impôs e que foi intensificado desde junho de 2007, quando o Movimento de Resistência Islâmica (Hamas) tomou pelas armas o controle desse território palestino. O sítio prolongou a espera de materiais de construção como tubulações. Isso afeta diretamente a capacidade de Gaza manter suas estações de saneamento e tratamento hídrico. “Por três anos esperamos esses materiais chegassem, junto com as unidades de dessalinização”, disse Ibrahim Alejla, encarregado de comunicação da Companhia de Água das Municipalidades Costeiras de Gaza.
Em seu Informe de Avaliação de Danos de janeiro deste ano, esse órgão assegura que foram destruídos o equivalente a US$ 5,97 milhões na infra-estrutura de tratamento hídrico e resíduos líquidos. Alguns dos maiores danos ocorreram no norte de Gaza, onde três novas estações foram totalmente destruídas. A Estação de Tratamento de Emergência de Esgoto dessa área ficou muito danificada, bem como as redes que permitiam a circulação das mesmas na região. Mais de 800 dos dois mil poços de água de Gaza foram destruídos ou ficaram inutilizados a partir dos últimos ataques israelenses, segundo autoridades do território palestino.
O centro da Faixa de Gaza também foi afetado. A Unidade de Tratamento de Esgoto de Sheikh, a maior da região, foi bombardeada. Isso causou rompimento nas tubulações e fez os resíduos líquidos sem tratamento inundarem mais de um quilômetro quadrado de terras agrícolas e residenciais. A Companhia de Água das Municipalidades Costeiras garantiu ter proporcionado às autoridades israelenses coordenadas sobre a localização das instalações hídricas e de saneamento. Mesmo assim, foram atacadas. A rede de distribuição sofreu os maiores danos, sendo atacadas por tanques e tratores. Os canos também estão entre os elementos cuja entrada em Gaza é proibida pelas autoridades israelenses.
Mohammad Ahmed disse que a natureza arenosa da região de Sheikh Rajleen fez com que o esgoto penetrasse no lençol freático. “Encontramos detergentes em nossos poços de controle, o que indica que o esgoto e as águas subterrâneas se misturaram”, explicou Ahmed. O diretor da Companhia de Água das Municipalidades Costeiras, Monther Shoblak, disse que esse tipo de contaminação também ocorreu em Beit Hanoun, norte da cidade de Gaza. A região de Wadi, no centro da Faixa de Gaza, é um dos locais onde o vazamento de esgoto é mais visível e tóxico. Os que viajam desde a cidade de Gaza para o sul podem ver e sentir o cheiro do fluxo de sedimentos negros para o mar.
Alejla destacou que “se as fronteiras estivessem abertas e pudéssemos obter os produtos químicos e o equipamento necessário para tratar as águas, estas poderiam ser reutilizadas na agricultura”. Por sua vez, Ahmed disse que nos últimos dois anos os níveis de nitrato triplicaram o limite permitido pela Organização Mundial da Saúde. Especialistas garantem que os nitratos causam câncer. “É muito cedo para ver todos os impactos negativos”, acrescentou. Além disso, como os laboratórios da Universidade Islâmica de Gaza foram bombardeados por Israel, a região “não tem como analisar a água para detectar a presença de metais pesados e outros contaminantes”, acrescentou.
Ahmed acredita que quando forem feitas análises serão encontrados numerosos contaminantes químicos. “A guerra foi na estação de chuva. Assim, as substâncias químicas e contaminantes que estavam no ar fora diretamente para a água subterrânea”, ressaltou. Para a Companhia de Água das Municipalidades Costeiras e a Autoridades Palestina da Água, muitas das áreas mais afetadas trabalharam para reparar suas redes hídricas. “As prefeituras cloram a água para eliminar a contaminação”, disse Ahmed. Mas, surgem dificuldades quando Israel impede a entrada de cloro em Gaza. “Então, o governo aconselha a não beber da rede”, acrescentou Ahmed, alertando para o efeito das águas subterrâneas contaminadas nos moradores das áreas rurais. “Muitas pessoas dependem de poços para ter o que beber”, afirmou.
Mas os problemas hídricos vão além do consumo de água contaminada. O Ministério da Saúde de Gaza e a OMS alertaram que em sete áreas extremamente contaminadas não se deve nadar, devido ao alto risco de contrair diarréia e doenças da pele. O pescador Khaled Al-Habil, do porto da cidade de Gaza, disse que as águas tóxicas estão destruindo a vida marinha. “Os peixes estão pretos por dentro. Os que nadam no porto ficam com a pelo irritada. Sou pescador e conheço os peixes. Mas há outros que não sabem se o pescado que compram são do porto e os consomem”, disse.
(Por Eva Bartlett, IPS / Envolverde, 22/06/2009)