De um lado, ambientalistas são contra o asfaltamento sem cuidados da rodovia que liga as cidades de Cuiabá a Santarém, a BR-163. Eles alegam que fazer a estrada, sem criar unidades de conservação nas marges ou regularizar as terras em disputa, irá gerar mais desmatamento na região, que já tem um dos maiores índices de derrubadas na Amazônia Legal. Do outro lado está a população local e os movimentos rurais que, segundo o geógrafo Wanderley Messias da Costa, da Universidade de São Paulo, são favoráveis à obra - vista como sinônimo de progresso. “Não ouvi uma só voz contrária ao asfaltamento da rodovia quando visitei Santarém e Belém”, diz.
Essa pavimentação está prevista para ocorrer ao longo de 2009, segundo o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal. Hoje, a rodovia tem trechos de terra e de difícil acesso, apesar de ser rota de exportação de grãos produzidos na região. Para que essa obra tivesse o menor impacto possível na região, foi feito um projeto de Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE). Ele foi aprovado em maio pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Seu objetivo é orientar a ocupação dos espaços produtivos do entorno da BR-163, promover o uso sustentável de seus recursos naturais e assim, evitar o desmatamento local.
Messias da Costa, que trabalhou no ZEE, esteve na região amazônica diversas vezes junto a pesquisadores em estudos para o Plano Amazônia Sustentável (PAS), do governo. Ele afirma que apesar da polêmica em torno do assunto, só ouviu discursos favoráveis ao asfaltamento da BR-163. “Para a população da cidade, o asfaltamento é sinônimo de progresso e novos negócios. Para os movimentos rurais e florestais, ele possibilitará conexões com os mercados consumidores de seus produtos”, diz.
Os interessados no asfaltamento, ao mesmo tempo, sabem que será preciso mudar a concepção e a implementação de projetos na região. Segundo Messias da Costa, eles têm consciência que deverão lutar para a ocupação e as atividades econômicas consequentes das obras não promoverem a desestruturação da região. Como essas pessoas vivem dos recursos naturais, é essencial que eles sejam explorados de forma sustentável.
Para Messias da Costa, isso até pode acontecer devido o caráter inédito desse projeto de ZEE. “Ele foi o primeiro a ser planejado, discutido e executado desde o início com participação das populações locais, incluindo comunidades indígenas”, diz. Os encontros reuniram também representantes dos governos estaduais e municipais, universidades, ONGs, sindicatos rurais e até cooperativas pequenos produtores.
Áreas sob risco
O trecho de mil quilômetros que liga o norte do Mato Grosso com o porto de Santarém, no Pará, corta grandes unidades de conservação, como as Florestas Nacionais de Jamanxin, Altamira e Trairão. Juntas, elas somam mais de 10 milhões de hectares. Os críticos à pavimentação dizem que isso colocará em risco os últimos remanescentes de florestas intocadas do sudeste do Pará. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Instituto do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), essas áreas têm altos índices de queimadas e desmatamento. A retirada ilegal de madeira e a abertura de estradas ilegais põem em risco a cobertura vegetal natural.
Uma das maiores estudiosas da Amazônia, a geógrafa Bertha Becker, tem desconfiança quanto ao sucesso do zoneamento. Ela fez parte dos estudos do projeto e acredita que é preciso que ele tenha força para punir irregularidades. “O zoneamento deve ter força de punição, de lei. Sozinho, ele não faz nada. Também é necessária uma maior articulação com todos os atores envolvidos”. Para ela, a negociação precisa sair do papel, porque apesar de serem conhecidas, as necessidades da população e dos produtores locais devem ser efetivamente atendidas.
(Por Thaís Ferreira, Blog do Planeta, 18/06/2009)