Ontem pela manhã, Dina Castillo Padilla, 24, fazia parte do grupo ansioso que esperava a chegada do relator da ONU para os Direitos dos Povos Indígenas, James Anaya, ao centro paroquial de Bágua Grande. Até o começo da semana, o centro da Igreja Católica ainda abrigava parte dos 800 indígenas que fugiram para lá após o sangrento confronto entre policiais e manifestantes durante ação de desbloqueio de uma das principais estradas da região. Oficialmente, o saldo total de mortos na região foi de ao menos 34, 24 policiais e dez civis. Treze dias depois, a contabilidade das vítimas segue contestada.
O irmão de Dina não estava entre os refugiados no centro paroquial. Ela disse que contaria ao relator da ONU que seu irmão de 16 anos estava preso, acusado de portar arma no conflito. Dina veio de Lima, onde trabalhava como empregada doméstica. "Pedir desculpas depois de tudo que passou? Agora eu já perdi meu emprego, não sei se vou continuar a estudar?", reclama ela, ao comentar o recuo do presidente Alan García.
Outros parentes de indígenas presos formavam o maior bloco do grupo de 20 pessoas que esperava Anaya. Apesar de dirigentes indígenas falarem de 500 desaparecidos, não havia parentes deles ontem no centro paroquial Bágua Grande, a principal cidade na região, que abriga dezenas de comunidades aguajuna e wampi. "Não foram só dez mortos civis, seis indígenas, como o governo diz. Eles nunca nos deixaram entrar ao local do confronto. Só dois dias depois", disse Sugkip Yagkikat, 37, da etnia guarajuna.
Yagkikat estava na curva do Diabo, ponto na estrada bloqueado pelos manifestantes até 5 de junho, a 17 km de Bágua Grande. Foi nesse dia que a policia resolveu desalojar os indígenas. Houve confronto, ao menos 155 feridos, e a noticia se espalhou. A cerca de 60 km dali, manifestantes ocupavam estação da PetroPeru, e, ouvindo as noticias do confronto, mataram nove policiais em vingança. A violência se espalhou pelo centro de Bágua Grande e pela cidade de Bágua, a outros 60 km dali, que tiveram seis mortos cada.
Varias pessoas na cidade mostram-se confusas e assustadas com os rumores de centenas de mortos de indígenas. A Defensoria do Povo,a ouvidoria nacional peruana, não achou nenhum corpo, mas só foi autorizada a vistoriar os locais dos crimes dois dias depois.
"Foi um trauma. Ver as pessoas feridas, buscar carros para socorrê-las. Até o nome das cidades eles confundem. Lima não conhece a Amazônia. Vamos ter uma voz única agora", diz Fortunato Muñoz, da Câmara de Comercio de Bágua.
(Folha de S. Paulo, 19/06/2009)