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veículos a hidrogênio diesel emissões veiculares
2009-06-18

Um ônibus movido a hidrogênio passará a rodar provavelmente ainda neste mês de junho numa linha convencional urbana entre os bairros do Jabaquara, na zona Sul de São Paulo, e São Mateus, na zona Leste, passando pelos municípios de São Bernardo do Campo, Diadema, Santo André e Mauá, dentro da Região Metropolitana de São Paulo. O feito é inédito no Brasil e traz muitas novidades. Veículos movidos por essa tecnologia são silenciosos e não emitem poluentes. Eles lançam no ambiente apenas vapor-d’água e trazem benefícios à saúde porque não contribuem para o surgimento de doenças respiratórias, além de umidificar o ar das grandes cidades.

Ao lado dos biocombustíveis e dos veículos elétricos, o hidrogênio é visto por especialistas como uma real alternativa para os derivados de petróleo que emitem poluentes e tendem a escassear no futuro porque as reservas de óleo e gás natural são finitas, tanto pelo esgotamento de anos de exploração como pelo aumento do consumo mundial. Assim, a experiência brasileira se enquadra dentro de uma série de experimentos que são realizados pelo mundo com carros e ônibus a hidrogênio no lugar da gasolina e do diesel com o objetivo de diminuir os gases nocivos às pessoas e ao planeta.

O ônibus foi montado no Brasil com financiamento do Global Environment Facility (GEF), ou Fundo Global para o Meio Ambiente, uma agência ligada ao Banco Mundial, que financia iniciativas de desenvolvimento sustentável em vários países. “Fizemos parcerias no Brasil e no exterior para montar o ônibus e transferir tecnologia para o país porque no início o projeto era para comprar os ônibus prontos na Europa. O argumento foi que o Brasil é o maior produtor de ônibus do mundo [em 2008 foram produzidos 44.111, sendo 27.948 exportados, segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea)] e temos uma longa tradição na indústria de carrocerias de ônibus”, diz Carlos Zündt, gerente de planejamento da Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU), ligada à Secretaria dos Transportes Urbanos do Estado de São Paulo, instituição que ficou responsável pelo desenvolvimento e gerenciamento do projeto e vai colocar o ônibus a hidrogênio no corredor metropolitano exclusivo de 33 quilômetros (km). O objetivo aqui é incorporar, integrar e desenvolver tecnologia de uso do hidrogênio como combustível e preparar as empresas para esse futuro mercado.

Em outros projetos semelhantes realizados no mundo prevaleceu a compra de ônibus prontos, principalmente da Mercedes-Benz, que possui um modelo da série Citaro que funciona a hidrogênio e já roda em várias cidades europeias, principalmente em Berlim, na Alemanha, que possui 18 veículos. Na Europa, desde 2004, o projeto Clean Urban Transport for Europe (Cute), ou Transporte Urbano Limpo para a Europa, financiado pela União Europeia, permitiu que 38 ônibus Citaro movidos a hidrogênio circulassem por nove cidades como Londres, Madri, Barcelona, Amsterdã, Hamburgo, Stuttgart, Luxemburgo, Porto e Estocolmo.

Eles já rodaram 135 mil horas e a experiência se mostrou ambientalmente sustentável. Outros três projetos foram realizados em Reykjavik, na Islândia, Pequim, na China, e em Perth, na Austrália. Ao todo foram utilizados 47 ônibus. O projeto tem 31 parceiros entre órgãos dos governos, indústrias e universidades. Todos, inclusive o brasileiro, são projetos de demonstração e teste da tecnologia em condições reais e nenhum deles teve objetivos comerciais simplesmente. No caso brasileiro, a EMTU terá, como compromisso previsto no investimento, que testar o ônibus e apresentar os resultados e a experiência ao GEF, que poderá distribuir relatórios com a experiência para outros países.

No Brasil, o projeto foi iniciado em 2004 e reuniu um consórcio internacional de empresas construtoras e fornecedoras. O ônibus possui nove cilindros de hidrogênio e aparelho de ar-condicionado no teto e todos os outros equipamentos ficam na parte de trás do veículo. No Citaro o design é diferente. Todos os equipamentos estão instalados no teto, o que o faz necessitar de uma suspensão eletrônica especial e muito cara. Mas ele é igualmente dependente da célula a combustível. É ela que transforma o hidrogênio em eletricidade e faz mover o ônibus por meio de dois motores elétricos. A célula é formada por um conjunto de placas de eletrodos, normalmente de grafite, que, em forma de sanduíche, agrupa também, entre as placas, uma membrana polimérica chamada de Membrana de Troca de Prótons (PEM, na sigla em inglês). Ao passar por ela, as moléculas de hidrogênio (H2) são quebradas e os elétrons são liberados, gerando eletricidade. Para realizar esse processo eletroquímico, o hidrogênio também se une ao oxigênio captado do ar formando vapor-d’ água no final. Essa tecnologia – componente-chave de todo o sistema – foi adquirida da Ballard, uma empresa canadense que começou a desenvolver células a combustível em 1983 e entre 1992 e 1994 apresentou os primeiros protótipos.

Em 2007 a Daimler – holding que possui a Mercedes-Benz – e a Ford se tornaram sócias majoritárias em uma subsidiária da Ballard, a Automotive Fuel Cell Cooperation (AFCC) ou Coo­peração para Célula a Combustível Automotiva. Fora os sistemas de transporte de hidrogênio e controle eletrônico, as duas células visualmente são duas caixas metálicas com 81 centímetros (cm) de comprimento, por 25 cm de profundidade e 30 cm de largura cada uma. “São duas células independentes que trabalham interligadas entre si, iguais à que equipa o carro Classe A a hidrogênio da Mercedes-Benz, que também está em demonstração na Europa desde 2003, e o Ford Focus apresentado em 2006 nos Estados Unidos, Canadá e Europa. Cada célula da Ballard gera 68 quilowatts (kW) de potência máxima, ou 91 horses power (hp). Para efeito de comparação, uma casa com dois quartos e um casal de classe média com dois filhos precisa de uma potência de 5 kw.

O Brasil já possui, pelo menos, três empresas, Electrocell, Unitech, (ver Pesquisa FAPESP edições 93 e 103) e NovoCell – todas paulistas e com financiamento do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) da FAPESP –, que estão desenvolvendo células a combustível e peças para esse equipamento em projetos pontuais para geradores de energia elétrica estacionários, principalmente para empresas, e não automotivos.

Os sistemas auxiliares da célula do ônibus, como a injeção e a circulação do hidrogênio e do ar atmosférico, na pressão e umidade requeridas pelo equipamento principal e parte da eletrônica de controle, foram desenvolvidos pela empresa alemã Nucellsys, que também possui a Ford e a Daimler como sócias. O gerenciamento de todos os sistemas, inclusive os testes de durabilidade são feitos pela Instituto de Pesquisa Força Elétrica Internacional (EPRI, na sigla em inglês), com sede na Califórnia, nos Estados Unidos, que traz a experiência em gerenciar projetos desse tipo.

Cooperação nacional
No lado bra­sileiro do consórcio, a carroceria é da Marcopolo, um dos maiores fabricantes de carrocerias do mundo com três fábricas no Brasil e 11 no exterior, em países como China, Índia, Rússia, Portugal, Argentina, México e Egito. O modelo a hidrogênio é da série Gran Viale, usada em ônibus urbanos, com 12,5 metros de comprimento, e pode acomodar 63 passageiros sentados e 20 em pé. A adaptação do ônibus ao sistema de célula a combustível e demais equipamentos do sistema a hidrogênio foi realizada por outra empresa brasileira, a Tuttotrasporti, uma empresa de brasileiros de origem italiana sediada em Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul. Ela é especializada na produção e modificação de chassis (estrutura metálica que suporta o veículo com os eixos das rodas inclusos) para veí­culos especiais, como ônibus a gás ou híbridos, com baterias e a diesel, com segundo piso, ou dois eixos na frente, ou ainda veículos com direção invertida próprios para exportação pa­ra países como Inglaterra ou Japão.

“A Tuttotrasporti foi a maior beneficiada brasileira porque foram seus engenheiros e técnicos que adquiriram conhecimento na adaptação, montagem e integração dos sistemas, inclusive a CPU [unidade central de processamento], que compreende processadores que gerenciam a energia elétrica do ônibus assim como a pressão do hidrogênio e outros sistemas ”, diz Zündt. “O software foi moldado por nós para controlar todos os pontos. Cada subsistema, como as células, tem o seu processador que indica, por exemplo, a sua temperatura [ela funciona entre 60 e 80°C], e eles estão conectados a um computador maior que tem acesso a todos os protocolos de funcionamento e permite gerenciar todo o ônibus”, diz o engenheiro Sidney de Oliveira Sobrinho, da Tuttotrasporti.

Energia constante
O ônibus a hidrogênio brasileiro também é um veí­culo híbrido porque pode acumular energia em baterias especiais. São três baterias de níquel-sódio, de alto desempenho, fornecidas pela empresa suíça, MSDea, que são capazes de guardar grande quantidade de energia. Tanto elas como as células repassam energia elétrica para os dois motores elétricos refrigerados a água da marca Siemens fabricados na Alemanha.

“A célula envia energia de forma constante. Quando o ônibus está parado, a energia não utilizada no momento vai para as baterias. O acionamento dos freios também gera energia armazenável. Com elas é possível rodar mais 50 km, além dos 300 km com hidrogênio. No corredor onde ele vai operar, os ônibus a diesel rodam 250 km por dia”, diz Zündt. Até a Mercedes-benz apresentar neste ano um modelo híbrido do Citaro Fuel Cell (célula a combustível), o brasileiro era o único a possuir o diferencial de ser um ônibus híbrido. Ele ficou pronto em julho de 2008 em Caxias do Sul e a partir daí começou uma série de testes depois de quase três anos de projeto e construção. Até o mês de maio, quando chegou a São Paulo, ele já havia rodado 2.200 km. Um percurso que não incluiu a viagem de Caxias do Sul à capital paulista porque no caminho não havia como reabastecê-lo com hidrogênio.

O conhecimento adquirido pelas empresas brasileiras será útil para os três novos veículos de série previstos que deverão ser construídos no Brasil, além do primeiro considerado um protótipo. Eles deverão rodar no mesmo corredor de ônibus, mas já devem apresentar modificações por conta da experiência adquirida. “As lições desse primeiro protótipo serão adotadas nos próximos ônibus e aí eles poderão ser produzidos em série pela Tuttotrasporti”, diz Zündt.

“O compartimento de motorização onde estão instalados os equipamentos como a célula, os motores elétricos, radiadores e outros aparelhos deverá ter uma redução de 50% no tamanho.” Os próximos, ainda sem data para serem entregues, terão 15 metros de comprimento e três eixos e alguns outros componentes e equipamentos nacionalizados. “O eixo, que é húngaro, poderá ser feito aqui, assim como há possibilidade de os motores elétricos e outros dispositivos como radiadores e conversores de tensão serem fabricados no Brasil”, diz Sobrinho. “Serão realizados estudos para reduzir custos, nacionalizando o que for possível, e utilizar o conhecimento para outros projetos.”

O preço total do ônibus não é revelado pelas partes. Sabe-se apenas que é mais caro que aqueles a diesel. O que é divulgado é o investimento total do Projeto Ônibus Brasileiro a Hidrogênio no valor de R$ 38,5 milhões, contando com os outros possíveis três veículos, bem como a unidade de produção e abastecimento de hidrogênio que está em construção na sede da EMTU. O GEF, por meio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que presta apoio técnico e administrativo ao projeto, financiou R$ 22,3 milhões. O Ministério de Minas e Energia, com recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), custeou mais R$ 8,3 milhões, enquanto a EMTU investiu R$ 3,09 milhões e as empresas mais R$ 4,75 milhões.

Posto na garagem
Entre as empresas nacionais investidoras no projeto estão a Petrobras e a Eletropaulo. As duas estão envolvidas na unidade de produção do hidrogênio. Esse gás não existe de forma isolada na natureza, embora esteja presente na água, no etanol, no gás natural e na gasolina, podendo daí ser extraído por meio da quebra das moléculas dessas substâncias que assim o liberam. O abastecimento do ônibus será feito na garagem da EMTU em São Bernardo do Campo, onde ficam os ônibus que operam no corredor. Uma estação de produção vai ser construída na garagem e será operada pela BR distribuidora da Petrobras.

O sistema utilizado será a eletrólise da água, em que uma corrente elétrica separa as moléculas de hidrogênio e oxigênio. Essa unidade de produção e abastecimento é oriunda da empresa canadense Hydrogenics, especializada na produção de hidrogênio por eletrólise. A Eletropaulo vai construir uma rede especial para o funcionamento da estação de forma menos custosa possível, com o fornecimento preferencial de energia para fabricação de hidrogênio feito fora dos horários de pico. Como a estação está sendo construída, nos primeiros meses de testes do veículo o hidrogênio virá por caminhão de uma refinaria da Petrobras no município de Cubatão.

Um fator preocupante quando se fala em hidrogênio ou de qualquer gás é a segurança. “As paredes do cilindro são de aço inox e muito espessas, o hidrogênio é uma molécula muito pequena que pode vazar em escala molecular se não for bem vedado com material e técnica adequados”, diz Zündt. Além disso, existem sistemas de sensores e válvulas que rapidamente fecham os nove cilindros em caso de impacto do ônibus. Os tanques de hidrogênio, que são de origem norte-americana, carregam cada um 5 quilos (kg) desse gás.

No total são 45 kg submetidos a uma pressão de 300 bar, a mesma de um mergulho a 300 metros de profundidade no fundo do mar. Na célula a pressão é reduzido para 2 bar por um sistema de válvulas. Mas no início do processo da produção na estação ele é estocado a 700 bar. Na estação também é possível estocar o oxigênio liberado da reação. Ele é bem puro e pode ser usado para fins medicinais, se os custos forem favoráveis. Em relação ao preço do quilo do hidrogênio, ele é mais caro que o diesel. O quilo no mercado (que usa o produto para fins industriais e alimentícios nas gorduras hidrogenadas e o extrai do gás natural por meio de equipamentos chamados de reformadores) não é competitivo em relação ao diesel, mesmo na produção própria via eletrólise porque o gasto de energia e seus custos são grandes.

Para Zündt, a tecnologia para uso no transporte ainda é cara em relação às tradicionais se não for considerado o custo ambiental e de saúde. O sistema utilizado no projeto brasileiro é um ciclo fechado onde se inicia e termina com água, que sai em forma de vapor para a atmosfera. Outro aspecto a considerar é que os sistemas de célula a combustível possuem um nível de eficiência energética muito melhor que os demais. “Em cada quilo se aproveita até 90% do potencial de energia, enquanto um litro de diesel rende em média 25% de eficiência energética”, diz Zündt. Os gastos do ônibus certamente serão mais bem percebidos ao longo de alguns meses de funcionamento no corredor metropolitano onde o veículo vai trafegar. Mas, mesmo antes de entrar em operação, o ônibus brasileiro a hidrogênio já desperta a atenção de futuros compradores. “Um grupo europeu da área de transportes nos fez uma consulta sobre a tecnologia e o custo do ônibus com o intuito de vender para países asiáticos”, disse Zündt sem revelar maiores dados porque são confidenciais.

“O ônibus a hidrogênio no Brasil é parte de um programa mundial que tem o objetivo de não emitir carbono (CO2) com os veículos e o mérito de ser um projeto de demonstração”, diz o professor Ennio Peres, coordenador do Centro Nacional de Referência em Energia do Hidrogênio (Ceneh), instalado no Laboratório de Hidrogênio (LH2) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “É muito importante tornar a tecnologia do hidrogênio conhecida mostrando suas vantagens e que seu uso não é perigoso.”

Hidrelétricas podem ser produtoras de hidrogênio
O abastecimento é considerado um obstáculo para o mercado automotivo de hidrogênio. Postos para reabastecimento em maior quantidade só existem no estado da California, nos Estados Unidos, no Japão e na Islândia, com o hidrogênio obtido da água, por eletrólise, ou gás natural. No Brasil, uma boa oportunidade está nas usinas hidrelétricas. Além da energia barata produzida durante a madrugada, quando cai o consumo, é possível utilizar a chamada energia vertida turbinável, que é a eletricidade a ser aproveitada pela água vazada no vertedouro em situações de enchimento excessivo dos reservatórios ou em horários quando não há demanda. A água é desperdiçada porque a energia elétrica não pode ser estocada. O jeito é transformá-la em hidrogênio.

Os professores Ennio Peres, do Laboratório de Hidrogênio, e Carla Cavaliero, da Faculdade de Engenharia Mecânica, ambos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), junto com o pesquisador paraguaio Gustavo Riveros-Godoy, da Universidade Nacional de Assunção, fizeram um estudo de produção e distribuição de hidrogênio para ônibus urbanos na cidade de Foz de Iguaçu, no Paraná, onde fica a sede brasileira da Usina Hidrelétrica de Itaipu. Eles apresentaram um trabalho no 4° Workshop Internacional sobre Hidrogênio e Células a Combustível realizado em outubro em 2008 na Unicamp, que demonstra a viabilidade operacional de trocar os ônibus a diesel por veículos a hidrogênio nas quatro empresas de Foz, uma cidade com 309 mil habitantes.

Sem considerar o custo dos ônibus, eles utilizaram dados do modelo a hidrogênio da Mercedes-Benz, o Citaro Fuel Cell. O melhor modelo de produção do gás seria a forma centralizada na própria Itaipu, onde os ônibus iriam abastecer uma vez por dia. O custo do hidrogênio por quilo (kg) seria de US$ 2,86 e a média de consumo de 0,205 kg por quilômetro rodado. Em termos financeiros, o diesel ainda ganha, mas o hidrogênio tem vantagens ambientais cada vez mais levadas em conta.

(Por Marcos de Oliveira, Pesquisa Fapesp, Junho de 2009) 


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