Leis para explorar selva causaram protesto de índios
Depois de mais de um ano de protestos indígenas, que culminaram em confronto violento no início deste mês, o governo do Peru prometeu enviar até quarta (17/06) ao Congresso projeto de lei para revogar dois decretos do presidente Alan García que sofrem oposição das comunidades amazônicas. Também foi anunciada a intenção de suspender o toque de recolher imposto em Bagua (norte) após os choques em que morreram 25 policiais, segundo o governo, e cerca de 30 indígenas, de acordo com os manifestantes. Os anúncios foram feitos pelo presidente do Conselho de Ministros (cargo equivalente ao de premiê), Yehude Simon, após reunião com representantes indígenas em San Ramón, na selva central do país, cujo acesso rodoviário está bloqueado por membros da etnia ashaninka desde sábado (13).
Os decretos em questão são o 1.090, ou Lei Florestal e da Fauna Silvestre, e o 1.064, que cria novo regime jurídico para atividades agrícolas. Segundo seus críticos, eles cedem à exploração madeireira e mineral 60% da selva e ignoram a ausência de titularidade formal das terras pelos grupos nativos amazônicos, que alegam não terem sido consultados. "É um avanço, sem dúvida. Mas o governo não fez isso por boa vontade. Fez por pressão. Esperamos que esse exemplo ajude a democracia no Peru", reagiu Denis Pashanasi, porta-voz das comunidades da Província do Alto Amazonas. Pashanasi estava num bloqueio instalado há 50 dias na estrada que liga o município de Tarapoto ao de Yurimaguas, a 1.490 km de Lima. Os 130 km recém-terminados fazem parte da Interoceânica Norte, construída pelo consórcio IIRSA (Integração de Infraestrutura Regional Sul-Americana), liderado pela construtora brasileira Odebrecht.
Pashanasi é quéchua, da serra andina, mas foi deslocado pela liderança indígena para a Amazônia. Os manifestantes provocaram a ira de parte da população de Tarapoto, maior cidade da região, porque a interrupção da rodovia causou inflação de alimentos e gasolina e até racionamento de energia, por falta de combustível para a termelétrica local. Os indígenas resolveram na semana passada flexibilizar o bloqueio, abrindo passagem por duas horas diárias. Segunda (15), eles afirmavam que só sairiam com a revogação efetiva dos decretos. "Os decretos são a primeira parte. Depois, vamos discutir as concessões com as petroleiras", disse Pashanasi.
Os dois decretos estão entre mais de cem baixados por García em 2008, que naquele período foi autorizado pelo Congresso a legislar por decreto para adaptar leis do país ao Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos. Sua revogação já havia sido recomendada pela Comissão de Constituição do Parlamento, mas a maioria governista suspendera o debate da questão. O presidente conservador viu ruir sua estratégia de não recuar quando associações empresariais lançaram nota pedindo diálogo, no fim de semana. Na sexta, a ministra de Comércio Exterior, Mercedes Aráoz, disse que o governo dos EUA havia informado Lima de que apoiava uma saída negociada com os indígenas. Também ontem, o governo peruano chamou para consultas seu embaixador em La Paz, Fernando Rojas, depois que o presidente boliviano, Evo Morales, em ato no sábado, qualificou de "genocídio" as mortes de indígenas peruanos.
(Por Flávia Marreiro, com colaboração de Claudia Antunes, Folha de S. Paulo, 16/06/2009)