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angra 2 acidente nuclear passivos da energia atômica
2009-06-16

No início da segunda quinzena de maio deste ano, um incidente nuclear ocorreu em Angra 2. A existência de pequenos problemas nas atividades indústrias, nucleares ou não, é normal. Anormal é não informar a população sobre o evento, mas principalmente negar dados que esclareciam as circunstâncias e impactos do problema. O incidente teria sido abafado não fosse a Sociedade Angrense de Proteção Ecológica (Sapê) receber informações sobre o ocorrido nas ruas da cidade de Angra dos Reis. Ela checou as informações nos relatórios realizados pela Eletronuclear e passou a buscar mais dados sobre o ocorrido. Não recebendo tal informação diretamente dos órgãos responsáveis, recorreu à mídia e, só então, o acidente foi notificado. Embora as informações ainda não tenham sido dadas com transparência, o representante da Sapê, Rafael Ribeiro, concedeu, por telefone, a entrevista a seguir à IHU On-Line.

Ribeiro falou sobre a questão da falta de informação e segurança em relação aos procedimentos da indústria nuclear no país. Para ele, uma comissão deveria ser formada para ter “acesso mais profundo ao que acontece dentro do complexo nuclear”, mas até agora a indústria e o complexo nuclear não aceitaram.

IHUnisinos – Antes da Eletronuclear anunciar o problema, você denunciaram. Como ficaram sabendo desse acidente?
Rafael Ribeiro
– Nós escutamos comentários na cidade de que algumas pessoas haviam sido contaminadas num trabalho interno. A notícia era meio confusa, associava ar condicionado com trabalho de pintura. Dizia também que havia pessoas contaminadas. Quando soubemos isso, começamos a buscar informações junto aos procedimentos padrões da indústria nuclear, que contêm qualquer evento não usual, e são enviadas a alguns órgãos públicos, como a defesa civil e prefeitura municipal. A linguagem usada nesses relatórios é difícil. Não é possível, só lendo, saber com precisão o que aconteceu. Nós descobrimos isso no dia 26 de maio, e o ocorrido teria se dado no dia 15. O documento informava que a chaminé havia detectado a presença de radiação e que tudo tinha sido resolvido no mesmo dia.

Quando soubemos disso, passamos a divulgar para a imprensa local e nacional de que tinha de fato acontecido alguma coisa na operação da usina, mas que não sabíamos precisar. Em seguida, passamos a ligar para a Comissão Nacional de Energia Nuclear, responsável no país por monitorar as atividades nucleares, mas responsável também por estimular o uso da energia nuclear no país. Com essa dupla contribuição, a Cnen acaba não cumprindo seu papel. Nós, então, ligamos para a Eletronuclear. A pessoa que nos atendeu não quis nem se identificar ou dar qualquer tipo de informação. Depois, buscamos a Cnen de Angra dos Reis, e o senhor que nos atendeu disse que, por determinação da comissão, não poderia nos passar nada, apenas o assessor de imprensa. Esse, no entanto, quando contatado, não informou nada. Somente no dia seguinte, depois que a grande imprensa passou a averiguar a informação, é que recebemos a nota pública que informava o que tinha acontecido em linhas gerais.

Eles, então, não iam divulgar essa informação?
Ribeiro –
Eles não iam demorar dez dias para informar o acidente, ou seja, eles não iriam informar mais o que havia acontecido. O acidente só foi notificado de forma clara e pública porque a gente soube. Esse é o histórico da indústria nuclear aqui em Angra dos Reis. A maior parte dos incidentes e dos acidentes com gravidade que ocorreram só vieram a público depois de denúncia, que se originou dentro da própria usina por parte dos trabalhadores. Isso nos preocupa, pois até hoje não sabemos exatamente o que aconteceu. Se você observar a notícia, quando veio a público, já veio com um culpado. Foi dito que teria ocorrido falha humana e que o trabalhador envolvido havia sido afastado. Não se questionou os procedimentos. Nós temos alguns depoimentos de trabalhadores que informam que a carga de trabalho é muito intensa, o que causa muita estafa, cansaço e é um passo para a ocorrência de falhas humanas.

Veja bem, o que mais nos preocupa no que aconteceu, e que até hoje não está claro, é que as informações foram desencontradas. Alguns falaram em quatro trabalhadores atingidos, outros falaram em seis. Esses trabalhadores não têm nome, ninguém sabe onde moram, o que nos impede de verificar o ocorrido. Um fato recorrente no complexo nuclear e que nos preocupa bastante é que, nas paradas das usinas (quando é feita a manutenção dos reatores, organizado o combustível e realizada a limpeza da área com maior radiação), o trabalho de maior risco é feito por aqueles não contratados permanentes. Eles são expostos a uma área de risco e a uma carga de trabalho forte. A maior parte deles são jovens com intenção de fazer um trabalho contínuo na Eletronuclear. Então, acabam se expondo a esse tipo de trabalho. A incidência de radiação nessa população jovem depois é difícil de associar à própria empresa, uma vez que abrange trabalhadores “avulsos”. Daqui a dez anos, dificilmente será possível vincular uma eventual incidência de câncer ao trabalho executado numa área de risco. O câncer, aliás, é o principal mal causado pela incidência de radiação.

O que esse acidente nos traz, em primeiro lugar, de preocupação, é a condição de trabalho dos trabalhadores da indústria nuclear, principalmente daqueles que não têm um vínculo seguro com a empresa. A segunda coisa que nos preocupa bastante diz respeito a como é tratada a informação. São poucas as instituições que recebem o informativo que, como disse o prefeito após a denúncia, não explicava o acidente, pois não havia menção de que trabalhadores poderiam estar contaminados. A informação, quando surge, vem de forma truncada e, ainda assim, não é possível averiguar a veracidade do que foi informado. A terceira coisa que nos preocupa é a questão da própria Cnen.

O que daria segurança é um trabalho efetivo da comissão nacional de energia nuclear, independente e que trouxesse à população de Angra dos Reis segurança, no que diz respeito ao que acontece lá dentro. Hoje, o que acontece é o contrário. Há, na cidade, um clima de preocupação e insegurança quanto ao que, de fato, ocorre. Nós não sabemos quantos eventos similares a esse aconteceram. Temos lembrado sempre que um dos maiores problemas que aconteceram com o Césio 137 em Goiânia foi que, após o acidente, as autoridades tentaram abafar o caso e não divulgar informações, o que tornou a abrangência do caso muito maior do que já era em si. É a esse risco a mais que a população de Angra dos Reis e do Brasil está exposta.

Então, vocês não conseguiram contatar nenhum dos funcionários contaminados?
Ribeiro –
Nem mesmo sabemos o nome dos funcionários. Temos uma informação, que vem de dentro da usina, de que um dos funcionários, no período em que a denúncia foi feita, tinha sumido, ou seja, ele não tinha voltado a trabalhar. Por conta disso, fizemos uma associação e achamos que ele é quem foi afastado por falha humana. Suspeitamos que esse funcionário esteja ainda contaminado por radiação. O clima no setor onde aconteceu esse problema é de preocupação, porque os funcionários estão sendo constrangidos para não dar informação e a abafar o caso. Não temos informação e nem segurança.

Um problema maior poderia ter ocorrido a partir dessa “falha de procedimento”?
Ribeiro –
Com certeza. Primeiro porque não sabemos qual é o grau do dano ocorrido, segundo porque que esse tipo de procedimento impede que uma série de atitudes seja tomada dentro do tempo. E terceiro porque temos um plano de emergência absolutamente inoperante e falho. Ele tem um raio de intervenção muito baixo, que exclui áreas de moradores que vivem em torno da usina, áreas inclusive que cresceram em função da atividade nuclear. Temos duas ou três comunidades, com mais de 20 mil pessoas, que estão a pouco mais de cinco quilômetros da usina excluídas desse plano. Não temos, aqui, um sistema de transporte efetivo. Além disso, há uma estrada que a cada chuva e instabilidade cria impedimentos. Também não temos um sistema de transporte marítimo que pudesse transportar as pessoas, nem mesmo escolas e abrigos preparados para deslocamento de população. Existem escolas que estão citadas no plano de emergência como ponto de apoio em que só há um banheiro funcionando. Quantas famílias uma escola dessas poderia receber num momento de emergência?

Temos lembrado que problemas em instalações nucleares acontecem como em qualquer outra atividade industrial e humana. Só que, se você buscar informações sobre acidentes com vazamento de radioatividades, chegará a uma lista com mais de dez pequenos acidentes que ocorreram na França, no Japão, na Bélgica, na Finlândia, na Espanha. E cada um teve um procedimento, como áreas evacuadas, informação. Esse tipo de acidente, por mínimo que seja, deve ter normas de segurança que devem ser atendidas. Nossa prática ainda está muito ligada à época em que surgiu a indústria nuclear no Brasil, ou seja, ao autoritarismo e, por conta disso, estamos sofrendo a falta de informações que colocam em xeque todo o sistema de segurança da usina nuclear.

Vocês têm conhecimento de como funcionam os treinamentos das usinas nucleares?
Ribeiro –
A informação que temos é superficial. Sabemos que, em alguns casos, são exigidos cursos técnicos, mas isso depende da função e grau de responsabilidade, pois lá existem desde físicos nucleares nacionais e da Alemanha, que têm toda uma formação específica, até trabalhadores temporários com qualificação na área. Lá dentro, eles dão alguns cursos de segurança e também de operação. Só que sabemos também, por depoimentos informais, que, muitas vezes, em função da urgência e da demanda, os trabalhadores acabam descumprindo aqueles procedimentos técnicos padrões em função da necessidade, da urgência e da pressão da chefia. Se não houver monitoramento e controle externo da atividade, não haverá mudança. Um trabalhador que tem um problema de radioatividade acaba afetando a si próprio, a sua família e a população.

Nós ficamos sabendo que, no ano passado, durante uma visita da Câmara Federal de deputados e senadores, uma senadora (cujo nome não foi revelado), depois da visita às instalações da usina, acusou um nível acima de radioatividade, e ficou “presa” durante um tempo até que fosse retirada toda a radioatividade acusada pelas máquinas, o que gerou um constrangimento geral. Só estou levando essas ocorrências porque é próprio de quem trabalha com radioatividade apresentar algum grau de contaminação e até uma grande contaminação dependendo da ocorrência. Precisamos ter um sistema seguro e eficaz, uma vez quer o Brasil optou ter energia e indústrias nucleares e, mais do que isso, construir mais uma empresa nuclear. É necessário melhorar nossos serviços. Nós consideramos uma insanidade do país construir uma terceira usina nuclear sem mesmo ter o destino definitivo do lixo atômico das duas primeiras. Estamos postergando para o futuro a solução dos principais problemas da indústria nuclear

O ambiente de Angra dos Reis mudou muito em função das usinas nucleares?
Ribeiro –
O impacto direto da indústria nuclear é muito difícil de mensurar. Para nós, que somos um grupo de cidadãos que se articulam em defesa do meio ambiente, o principal impacto direto da população é o convívio com a situação de perigo, revelado por com um acidente como esse. Angra dos Reis sofreu, a partir da década de 1970, impacto pela construção da Rio-Santos, pelas centrais nucleares, pelo terminal de petróleo e por uma série de empreendimentos que mudaram todo o espaço socioeconômico e ambiental. Certamente, a indústria nuclear teve um peso grande sobre esses impactos, pois a partir dela várias construções foram feitas. Existe um problema sério de saneamento, além do comprometimento dos principais corpos hídricos do município, de construções irregulares em morros dando um aspecto favelizado numa região belíssima. Há uma série de transformações socioambientais que a indústria nuclear, do ponto de vista da mobilização do contingente de mão-de-obra e de recursos, contribuiu, mas que não pode ser só atribuída à indústria nuclear, obviamente.

Como deveria funcionar um controle social sobre a operação das usinas?
Ribeiro –
Há alguns anos, nós defendemos que seja formada uma comissão local composta pelos Poderes Executivo e Legislativo, nas suas várias representações e da sociedade civil, com acesso mais profundo ao que acontece dentro do complexo nuclear. Essa proposta é simples, não exige grandes transformações ou investimentos e seria muito boa tanto para a indústria nuclear quanto para a própria população. Mas, infelizmente, o complexo e a indústria nuclear são bastante fechados e nem mesmo isso eles aceitaram.

(IHUnisinos, 12/06/2009)


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