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2009-06-15

A visão de que ONGs ambientalistas misturam denuncismo vazio e sentimentalismo ao debate que deveria ser técnico é incorreta

Existe em alguns endereços chiques do Brasil a percepção de que organizações não governamentais (ONGs) ambientalistas atrapalham o desenvolvimento do país. Fariam isso, segundo esse ponto de vista, ao misturar alarmismo infundado, denuncismo vazio e sentimentalismo natureba a um debate que deveria ser objetivo e técnico. É uma visão parcial e, em grande medida, incorreta. Já se foi o tempo em que apenas hippies e ex-marxistas sem rumo se convertiam para a causa verde como utopia substituta. Isso pode ter sido válido para alguns dos pioneiros que combatiam romanticamente a poluição das águas no Rio Grande do Sul ou a construção de um aeroporto em Caucaia do Alto, na Grande São Paulo. Hoje não é mais.

Desde pelo menos a fundação da organização SOS Mata Atlântica, em 1986, o melhor do movimento ambientalista brasileiro busca um pacto firme e duradouro com a ciência. Os resultados estão aí, conhecidos e citados por todos. Os primeiros dados confiáveis sobre a destruição da floresta chuvosa que cobria a costa alcançada pelos portugueses em 1500 nasceram, em 1989, da parceria entre a SOS e o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Trata-se de um órgão de pesquisa ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia.

A parceria tinha por objeto usar imagens de satélite na composição de um atlas dos remanescentes florestais, como se começava a aplicar na época para a Amazônia. Assim se revelou que apenas 7% da mata atlântica sobreviveram. A única floresta que a maioria dos brasileiros conheceu e conhece está desaparecendo. Hoje o Inpe conduz o mais avançado programa do mundo de monitoração de florestas tropicais por sensoriamento remoto. Há mais de duas décadas apura e publica os dados anuais oficiais de desmatamento da Amazônia (sistema Prodes). Desde 2004 o Prodes é coadjuvado por um acompanhamento mais ágil (Deter), quinzena a quinzena, para apoio da fiscalização do Ibama.

Também foi liderado pelo Inpe, com inspiração "ambientalista" ("ecológica" seria o termo cientificamente correto), o engajamento brasileiro no Experimento de Grande Escala Atmosfera-Biosfera da Amazônia. Mais conhecido como LBA, o projeto internacional foi o maior programa científico do Brasil durante anos e produziu conhecimento básico fundamental para começar a entender o papel da floresta amazônica no clima regional e mundial.

Informações de qualidade não eram produzidas só por militantes e investigadores do ambiente. Em paralelo, o Programa Povos Indígenas no Brasil, do Cedi (Centro Ecumênico de Documentação e Informação), recolhia e mapeava dados para um catálogo cartográfico das etnias e terras indígenas do Brasil. Sempre foi uma fonte melhor, ao menos para jornalistas, que a chapa-branca Funai.

SOS e Cedi são as principais organizações que deram origem ao ISA (Instituto Socioambiental), que até hoje publica, a cada cinco anos, o indispensável volume "Povos Indígenas no Brasil". Toda a cartografia agora é digital, o que habilita o ISA a fazer estudos detalhados inéditos, por exemplo sobre superposição de terras indígenas e unidades de conservação. Há exatos dez anos, o ISA atuou como coordenador de um histórico seminário em Macapá para identificar áreas prioritárias para conservação na Amazônia brasileira. Foi um esforço sem precedentes, patrocinado pelo Ministério do Meio Ambiente, para reunir o melhor conhecimento científico disponível sobre espécies e sua localização na região.

Com maior ou menor sucesso e meticulosidade, a experiência se repetiu para os outros cinco grandes biomas nacionais (Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal). Uma década depois, esses trabalhos ainda orientam a criação de unidades de conservação no Brasil. Dos seminários participou uma penca de organizações que ainda dariam o que falar. No caso da Amazônia, sempre o bioma mais controverso, impuseram-se no debate público ONGs como o Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e o Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia). Ambas com sede em Belém, estão na vanguarda desse tipo inovador de ONG, dedicada a cavar, sistematizar e divulgar dados socioambientais que nem o governo detém.

Não faz muito tempo, quem precisasse de informações sobre a situação em torno da rodovia BR-163 (Cuiabá-Santarém) faria melhor em procurar o Ipam. Se necessitado de dados sobre localização e produção de polos madeireiros na Amazônia, ou sobre a agropecuária da região, o canal era o Imazon. Em 2000, Ipam e ISA lideraram a confecção de um relatório de grande repercussão sobre o impacto do plano Avança Brasil, do governo FHC. Previa que 180 mil km2 de floresta amazônica pereceriam como consequência, em três décadas, no altar do desenvolvimentismo ambientalmente imprevidente. Foi manchete da Folha em 13 de março daquele ano.

Pelos dados do Prodes, 167 mil km2 da Amazônia perderam a floresta de lá para cá. Passaram-se só 9 anos dos 30 projetados (6 deles sob Lula). Diante disso se poderia afirmar, com objetividade e fundamento técnico, que alarmismo pouco é bobagem. Em especial diante de um governo que deita tanto carvão, gás natural e petróleo na fogueira eleitoral para requentar o Avança Brasil com o molho salgado do PAC.

(Por Marcelo Leite, Folha de S. Paulo, 05/06/2009)


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