País que mais cresce na região terá de repensar exploração de recursos
Os conflitos entre militares e indígenas que há dez dias deixaram 34 mortos na Amazônia peruana [de acordo com fontes oficiais] podem obrigar o presidente Alan García a rever os compromissos assumidos com os EUA desde a entrada em vigor do Tratado de Livre Comércio, há quatro meses, além de afetar os negócios com vizinhos da região, entre eles o Brasil e a Argentina.
O Peru teve em 2008 seu melhor desempenho, com um crescimento de 9,8%, índice superior ao da China e a de qualquer outro país da América do Sul. Mas o sucesso que anima o empresariado tem como base um modelo de exploração de recursos naturais que revolta os mais de 350 mil indígenas que vivem no Peru e não sentem os benefícios do boom econômico iniciado em 2002, quando a economia local entrou num ciclo de crescimento sempre superior a 4% ao ano. Foi o choque entre estas duas visões do desenvolvimento que detonou a onda de protestos que terminou com 24 policiais e pelo menos 10 indígenas mortos em Bagua, no Departamento (Estado) do Amazonas, no dia 5.
"Esse embate envolvendo a posse dos recursos naturais é cada vez mais comum nos países da região", disse ao Estado o alemão Jurgen Weller, que há oito anos acompanha o cenário peruano como membro da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), vinculado à ONU. "A exploração de minérios e, mais recentemente, de reservas de gás teve importância fundamental para este crescimento do Peru", disse ele. Mas, segundo o sociólogo peruano Jaime Antezana, "as comunidades indígenas vão se opor sempre a qualquer exploração privada das zonas que consideram como suas propriedades ancestrais".
O governo também enfrenta resistência indígena no sul do país, onde o índice de aprovação a García não passa dos 4%. O governador de Puno, Hernán Fuentes Guzmán, defende a criação de um sistema federativo que dê maior autonomia a regiões indígenas como a sua. Foi em Puno que teve início, há 65 dias, o levante que se espalhou pelo Peru. "Eles não usam um penacho na cabeça, mas continuam sendo tão indígenas quanto sempre foram", disse o peruano Javier Galindo, especialista em questões energéticas que foi executivo da estatal Petroperu durante três anos. "Eles nunca deixaram de considerar a terra como o que há de mais sagrado e farão de tudo para impedir que o governo viole esse entendimento ancestral."
A Odebrecht teve de paralisar seus trabalhos na rodovia norte, entre as cidades de Bagua e Buenos Aires, por causa do toque de recolher. Mas especialistas consideram que obras de infraestrutura como esta são menos visadas pelos indígenas do que os projetos de exploração de recursos naturais, como os realizados pela Petrobrás e empresas petrolíferas da França, Canadá, Argentina e Espanha que atuam na Amazônia peruana.
(Por João Paulo Charleaux, O Estado de S. Paulo, 15/06/2009)