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termoelétrica porto de itaqui MPX grupo ebx/eike batista
2009-06-15

O Jornal do Sintrajufe acompanhou, em maio, a ida do grupo de estudos Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente, Gedmma, da Universidade Federal do Maranhão, à comunidade Camboa dos Frades, localizada na área do Porto do Itaqui. O grupo foi acompanhar uma assembléia na Associação de Moradores para discutir sobre a presença da empresa MPX, que construirá a Usina Termelétrica Porto do Itaqui na área onde antes era localizada a Vila Madureira.

O interesse dos moradores de Camboa dos Frades na construção da termelétrica diz respeito diretamente à própria existência da comunidade: ela fica localizada por trás da antiga Vila Madureira, e o acesso de seus moradores ao resto de São Luís é feito pela estrada que corta a comunidade remanejada. Camboa dos Frades preocupa-se como continuará a levar seus filhos à escola (a comunidade, com mais de cem famílias, não possui nenhuma), creche, ir à feira, postos de saúde, entre outras atividades cotidianas, caso o caminho que a leva até esses afazeres for interditado. A estrada que vai da Vila Madureira à Comboa dos Frades foi aberta, no braço. “Trouxemos essa estrada no cabo da enxada e na pá”, conta Albertran Silva, 39 anos, nascido e criado no local. A única ajuda que tiveram foi de uma máquina cedida pela prefeitura.

Aliás, presença do poder público no local é quase zero. Só recentemente, depois de muita mobilização da comunidade, seus moradores tiveram acesso à energia elétrica, conta Maria dos Ramos, presidente da Associação dos Moradores. Camboa dos Frades se vira como pode e como sabe: vive da pesca (peixe, marisco), especialmente nos igarapés próximos, do extrativismo (carvão e babaçu), e criação de animais (galinha, pato, porco...). Os produtos da comunidade são geralmente levados para serem comercializados na feira do Anjo da Guarda, mais próximo centro de comércio.

A estrada que existe atualmente, além da ameaça se ser fechada pela presença do novo empreendimento, está muito comprometida. Com as chuvas, transformou-se num lamaçal. Os moradores sentem-se constrangidos ao tomar um ônibus e serem reconhecidos pelas marcas de lama nas pernas em tempos de chuva. As crianças, que acordam com o dia ainda escuro para irem à escola mais próxima, enrolam as calças até a altura dos joelhos para não sujar, entre outros constrangimentos.

“Como vamos pedir ajuda da máquina da prefeitura dessa vez para ajeitar a estrada, se agora o terreno é deles? A estrada é deles. A [vila] Madureira é deles. Antes pedíamos máquina lá na prefeitura, agora não pode; não tem como entrar”, indigna-se Ramos. Moradores contam, inclusive, que os vigias do terreno onde ficava a vila Madureira já foram vistos portando armas. A comunidade protestou e agora os revólveres não estão mais à vista. As mães temem pelos filhos: o movimento de caçambas no terreno é grande, o que torna o retorno da escola um perigo.

Cheia de verde e próxima ao mar, comunidade tem modo de vida ameaçado por empreendimentos
A Camboa dos Frades existe há mais de 50 anos. Ana Cléia Serra Soares é prova viva disso. Hoje com 60 anos, ela conta ter chegado por volta dos dez, doze anos. Leandro Euzébio chegou aos 8. Hoje tem mais de 90. A Associação de Moradores agora dispõe de exemplares dos Estatutos do Idoso e da Criança e do Adolescente a fim de estudar maneiras de assegurar os direitos desses membros.

Até hoje o modo de vida da comunidade tem sido marcado pela harmonia com o meio ambiente. Eles sabem que precisam dos igarapés limpos para o pescado. Aproveitam de tudo da palmeira de babaçu: amêndoas para o azeite, tronco para erguer suas casas, folhas para cobri-las, e até mesmo depois de morta é aproveitada: o estrume de palmeira é levado para ser vendido na feira. Esse modo de vida vem sendo ameaçado pelos grandes empreendimentos que vêm cercando a área. Eles contam que a empresa vizinha Ecodiesel é responsável pela poluição no igarapé próximo, e dessa forma o pescado vem rareando. É que segundo eles a Ecodiesel vem depositando dejetos no local, comprometendo a qualidade da água. Estrategicamente a colocação dos dejetos é feita acompanhando o movimento da maré, de forma que é difícil provar que é ela quem está poluindo.

A própria MPX tem se utilizado dos igarapés como depósito de lixo na limpeza que vem fazendo no terreno da antiga Vila Madureira. “A gente vê o material deles descendo [no igarapé]”, contam os moradores. A própria atividade a ser desenvolvida no local, quando a usina termelétrica (UTE) Porto do Itaqui estiver pronta é altamente poluente: a obtenção de energia através do carvão mineral, por mais que a empresa diga que serão tomados todos os cuidados, é uma das formas mais perigosas de se obter energia. O Jornal do Sintrajufe esteve na audiência sobre impactos ambientais realizada ano passado no Rio Poty Hotel, em que a MPX afirmou que a geração de energia se dará de forma segura: disse que a direção dos ventos no local garantirá que os resíduos sejam levados para longe, em direção ao mar. Difícil creditar ao vento, inconstante, segurança a essa atividade.

Diferente da Camboa dos Frades, onde o poder público quase não existe, a MPX conta com o empenho dos governos federal (consta do Plano de Aceleração do Crescimento do governo Lula) e estadual (apresentado sob governo Jackson, o empreendimento conta com o apoio de Roseana Sarney; a secretaria do Meio Ambiente do governo anterior apoiou o projeto, e o Partido Verde, antes na oposição e agora no comando da pasta, protestou ano passado durante a realização da audiência no Rio Poty, mas nada disse em contrário agora em reunião com Roseana ). A prefeitura também deu sua contribuição e se apressou mudar a legislação, transformando a área, antes rural, em industrial.

“Eles não respeitam quem encontram no local”, protesta Miriã, vice-presidente da Associação. Maria dos Reis, que já morou no local e tem parentes lá, concorda: “Aqui você tem muito do que viver. Você passa o dia todo sem necessidade de ir ao mercado, tem tudo perto, no quintal. Quem sai daqui dificilmente se adapta de outro jeito. Não tem nada que pague, não tem dinheiro que pague a adaptação da gente, o sossego da gente” diz.

Que o digam os moradores da Vila Madureira, removida para dar lugar à UTE. Ano passado, era tudo esperança. Durante a audiência apresentada no hotel cinco estrelas na área nobre de São Luís, tudo era promessas: casas de tijolos, valendo quase 50 mil reais, com tudo dentro: geladeira, sofá, televisão e até computador, além da indenização e apoio da empresa para novos empreendimentos dos indenizados. Parte dos moradores da Nova Canaã, nos limites entre São Luís e Paço do Lumiar, para onde foram removidos os antigos moradores, queixam-se: o terreno dos imóveis é pequeno e alterou substancialmente seu modo de vida: não dá para plantar nada em área tão exígua. Pescar, então, nem se fala, agora que área de mar ficou tão distante.

A prometida indenização, na maioria dos casos não chegou a dois mil reais, contam, e já está acabando. A transferência dos imóveis para seus nomes só poderá acontecer dentro de três, cinco anos. “Lá não tem como ganhar um centavo, não tem como sobreviver. Quando acabar o trocadinho que eles deram, vai ser uma calamidade. Está todo mundo revoltado lá”, conta João Batista, ex-morador da Vila Madureira. E é essa experiência que os moradores de Camboa dos Frades não querem pra si. “Não aceitamos o que aconteceu na Madureira”, diz Maria dos Ramos.

Patrimônio histórico ameaçado
Os moradores já mostraram que não querem nada, a não ser permanecer em seu lugar, e poder ter atenção do poder público às suas demandas. Com uma estrada que lhes garanta o direito de ir e vir, por exemplo. “Estamos recuado nessa área daqui. Como a gente vai viver, sustentar nossas famílias [sem o acesso]”? questiona Albertran. Os moradores souberam que uma outra estrada deve ser construída, mas dando a volta no terreno onde hoje passa a atual, aumentando o já longo caminho que têm de percorrer até a BR 135, onde pegam ônibus e estabelecem contato com o resto da cidade. Eles dizem que a preocupação no momento é com o isolamento a que estão submetidos. “Cercou nossa estrada”, apontam. “Eles não vêem a gente como moradores. É como se a gente que fosse o invasor”, revoltam-se.

Além do direito de ir e vir dos moradores, com o sufocamento de Camboa dos Frades (que é como a comunidade se sente: o isolamento imposto pela possibilidade de fechamento da estrada de acesso é visto como uma forma de se forçar as pessoas a saírem do local) ameaça também o meio ambiente (a área do empreendimento sofreu grande desmatamento) e a própria memória do país. Não é exagero: a equipe de pesquisa, ao chegar na área, encontrou o arqueólogo do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), Julio Meirelles Steglich. Ele conta que o local é cheio de registros (cerâmica e outros materiais) de missão jesuítica no Maranhão. Meirelles se disse impressionado com o número de indícios que são encontrados no local. Tudo isso devia constar no relatório de impacto apresentado pela MPX ao poder público, mas não tem quase nada no documento.

O próprio nome “Camboa dos frades” é visto como um registro dessa relação entre o homem branco e o indígena, que a preservação do local e de sua comunidade ajuda a contar. E mais: os arqueólogos crêem que os indícios abundantes no local contribuem mesmo para explicar algumas teorias de ocupação humana na América do Sul. Mais um motivo para se preservar o local da forma predatória de desenvolvimento: além de altamente poluente, a geração de energia a carvão não é nada sustentável.

A UTE Porto do Itaqui, que ainda não começou a operar, já tem data para encerrar suas atividades: empreendimentos desse porte duram cerca de trinta anos. Esse seja talvez o tipo de desenvolvimento que, ao acabar de destruir um lugar, precisa se mudar para outro, esgotar seus recursos e deslocar outras comunidades. Resta saber se é esse o tipo de desenvolvimento que se quer. Os moradores de Camboa dos Frades parecem não aceitar e, ao defenderem seu local, podem estar contribuindo para defender a própria Ilha de São Luís (ou Ilha do Maranhão, segundo os geógrafos).

(Por Claudio Castro, Jornal do Sintrajufe / Fórum Carajás, 14/06/2009)


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