Em 20 anos, áreas costeiras como a Baía da Guanabara estarão sob risco por falta de oxigênio na água
A região da Baía de Guanabara próxima à Baixada Fluminense, no Rio, deve estar morta em cerca de 20 anos. Nenhum organismo que dependa de oxigênio conseguirá sobreviver. A projeção é do professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP) Alexandre Turra. Isso acontecerá porque as águas costeiras recebem uma quantidade cada vez maior de dejetos industriais e residenciais e agentes contaminantes, como metais pesados, fertilizantes e agrotóxicos. Elas podem ser povoadas por micróbios que não precisam de oxigênio para sobreviver - e que a mantêm tóxica. "Essas bactérias produzem substâncias como o ácido sulfídrico. A água fica com cheiro de ovo podre e torna-se uma zona morta permanente", explica Turra.
Zonas mortas podem ser temporárias ou permanentes. São áreas onde a quantidade de oxigênio disponível é menor do que 0,2 mililitro para cada litro de água, uma situação conhecida como hipóxia. Ela ocorre quando há multiplicação de bactérias aeróbicas além do normal, que consomem todo o oxigênio da água. A fauna e a flora marinhas morrem ou migram para onde há mais oxigênio. Com o tempo, a hipóxia mata as bactérias aeróbicas e a água volta a apresentar níveis normais de oxigênio. Porém, esse processo pode ser interrompido pelos micróbios anaeróbicos.
Segundo o professor, o mesmo processo ocorrerá em trechos da Baixada Santista e na região portuária de Salvador, Recife e Vitória. "Quanto ao prazo não tenho a menor dúvida. Resta saber quais dessas serão as áreas mais atingidas." Ele arrisca uma: a região próxima à Cia. Siderurgia Paulista (Cosipa), em Cubatão (SP).
O mundo tem cerca de 400 zonas costeiras mortas, que cobrem uma área de mais de 245 mil km², o equivalente ao Estado de São Paulo. Todas estão ligadas à exploração humana, como o Delta do Mississippi, no Golfo do México. Havia uma atividade pesqueira intensa na área até meados da década de 1970; hoje ela está morta. "A tendência é acontecer o mesmo com áreas muito grandes no Brasil. Aqui quase não se investe em saneamento básico", diz.
Desconhecimento
Para Luiz Eduardo Maia Nery, pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), um dos problemas é a falta de dados para identificar as regiões que serão afetadas primeiro. "Zonas como Baía de Guanabara e Baixada Santista são as que têm mais dados disponíveis sobre carga de esgoto, fauna e flora. Mas há lugares onde não fazemos ideia do tamanho do problema. Porto de Vitória (ES) é um caso", diz Nery. "Precisamos de dados para criar modelos matemáticos que expliquem qual será a evolução de uma área exposta a determinados tipos de agente contaminante em longo prazo", conclui Haroldo Mattos de Lemos, presidente do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) no Brasil.
O coordenador de pós-graduação em Oceanografia Física da Furg, Maurício Mata, destaca a falta de produção acadêmica para a área. "A oceanografia física é classificada pela Capes (órgão ligado ao Ministério da Educação que regula a pós-graduação no Brasil) como geociências, mas há uma diferença de produção de conhecimento entre geologia e oceanografia física, por exemplo", diz. "Para ir até a mata, não se precisa muito além de botas. O sujeito pode até ir de ônibus. No mar não tem jeito. Precisa de navio e equipamento", completa Turra. O País conta apenas com dois navios de pesquisa marinha - um deles, o Professor W. Besnard, da USP, está parado por problemas mecânicos.
A falta de pesquisa na área leva a um outro problema: pesquisadores não sabem com exatidão se há espécies que só existem no fundo da Baía de Guanabara, por exemplo, e que vão desaparecer na zona morta. O cenário na pesca oceânica não é mais animador. O País tem basicamente uma área de piscosidade, no litoral norte do Rio, e as reservas estão sendo exploradas além do limite. "Pesca é extração. Não adianta aumentar e melhorar a frota que não haverá mais pescado", diz Nery. "Há uma tentativa de regulamentação da frota pesqueira e de utilizar de uma espécie de radar para evitar a pesca predatória", diz Turra.
(Por Bruno Versolato, O Estado de S.Paulo, 05/06/2009)