Muitas polêmicas estão acesas em torno do lixo. Que se deve fazer? Reduzi-lo? Reaproveitá-lo? Reciclá-lo? Depositar em aterros? Ou incinerar e com ele gerar energia? A(s) resposta(s) depende(m) de muitos fatores, a complexidade é grande. Mas a urgência também é enorme. Muitas das grandes cidades brasileiras (São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Curitiba, entre outras) estão com seus aterros esgotados. E implantar outros é muito difícil: exige terreno grande, que não seja distante (para não encarecer o custo do transporte), mas não tenha moradores na vizinhança; lençol freático profundo, para não ser contaminada pelo chorume; sistema viário amplo; ventos favoráveis, para não incomodar com o cheiro comunidades próximas.
Mas não se pode demorar com as decisões. Uma em cada três cidades do interior de São Paulo com mais de 100 mil habitantes está com o aterro esgotado (Estado, 15/3). Vinte por cento dos aterros paulistas (42 lixões) são irregulares (Estado, 26/5). Segundo levantamento do IBGE (2002), mais de 50% das 230 mil toneladas de resíduos domiciliares e comerciais recolhidas a cada dia no País vão para lixões a céu aberto. Pouco mais de 40% chegam a aterros, embora os realmente adequados sejam apenas 11%. Nossa situação só não é ainda mais dramática porque, segundo o Cempre (Compromisso Empresarial pela Reciclagem), os catadores de lixo encaminham para empresas recicladoras a quase totalidade das latas de bebidas descartadas, 33% do papel e papelão, 46% do vidro, 16,5% do plástico. Uma medição feita na cidade de São Carlos, SP, mostrou que, sem os catadores, o volume de lixo encaminhado para aterro aumentaria 39%.
Até aqui, fala-se em lixo domiciliar e comercial, sem incluir resíduos industriais, de estabelecimentos de saúde, lixo tóxico, radioativo. E resíduos da construção civil, que costumam ter volume maior que o domiciliar/comercial. Na cidade de São Paulo, por exemplo, fora as 2.500 toneladas diárias recolhidas, há 1.400 postos de despejo irregular desses resíduos (Estado, 2/2) e 3 mil toneladas são simplesmente jogadas nas ruas a cada dia. Quase metade das 29 mil caçambas cadastradas estão em situação irregular. E o desperdício dos materiais em geral é impressionante. Estudo da Universidade Estadual Júlio Mesquita Filho em Sorocaba mostrou que 91% das 135 toneladas diárias (54% de materiais orgânicos) aterradas na cidade de Indaiatuba (175 mil habitantes) poderiam ser reutilizadas ou recicladas.
O custo do desperdício é enorme. Mesmo que se adote média baixa para o preço da coleta e destinação, no País gastam-se por dia pelo menos R$ 12,8 milhões e por ano, R$ 3,86 bilhões. Mas não se tem solução à vista. O projeto de Política Nacional de Resíduos Sólidos, em tramitação no Congresso, mesmo que se aprove o último substitutivo, pouco ajudará. Só torna obrigatória a devolução de embalagens no caso de agrotóxicos, pilhas e baterias, bulbos fluorescentes, pneus e aparelhos eletroeletrônicos - uma fração reduzida do lixo, sem incluir o lixo orgânico e a maior parte dos produtos industriais.
A reutilização de materiais dependeria de coleta seletiva, que é muito pequena no país todo e em pouquíssimos lugares inclui a separação obrigatória (entre orgânicos e inorgânicos) nas casas, lojas e escritórios; encaminhamento para usinas de reutilização e reciclagem; compostagem do lixo orgânico (para transformá-lo em fertilizante); transformação do que for possível (papel e papelão em telhas revestidas de betume e PVC em mangueiras pretas são alguns exemplos); e venda de materiais (vidro, latas, metais, etc.) a recicladoras. Assim se consegue reciclar/reutilizar até 80% do lixo e economizar o equivalente do espaço nos aterros. Mas, a coleta seletiva, quando existe, é quase só em contêineres nas ruas, com baixa adesão da população. E a reciclagem em usinas públicas é baixíssima (em São Paulo, menos de 1% do lixo).
Nos países que mais conseguiram avançar no setor, todo gerador de resíduos (domiciliar, comercial, industrial, de construções) é obrigado a separar pelo menos orgânicos de inorgânicos; paga pela coleta e pela destinação (que pode ser reutilização, reciclagem ou incineração); quase não há mais aterros.
Mesmo aí, entram em cena problemas e contradições. Se uma boa política recomenda em primeiro lugar a reutilização de materiais, como entender, por exemplo, a incineração, mesmo para gerar energia? Depois, é preciso lembrar que é um caminho caro. E ainda aceitar que, nesse processo, vai-se precisar de cada vez mais lixo. Não bastasse, é preciso ressaltar que se trata de processo que exige o uso de altas temperaturas, acima de 900°C, para evitar na queima - principalmente de orgânicos - a emissão de dioxinas, furanos e outros gases altamente perigosos para a saúde humana. Mas não há dúvida de que a incineração economiza o espaço cada vez mais difícil nos aterros. No Rio de Janeiro, está em andamento projeto-piloto da Universidade Federal e de uma empresa privada, que daqui a dois anos começará a incinerar resíduos a 1.000°C. Mas já começa a receber críticas da associação das empresas de limpeza pública, que apontam o "desperdício" de materiais.
O outro lado, entretanto, lembra que nos Estados Unidos, no Canadá e em outras partes as municipalidades têm de destinar parcela cada vez maior de seus orçamentos ao lixo, porque têm de transportá-lo e depositá-lo a distâncias cada vez maiores. Como em Nova York, Toronto e outras. Até Belo Horizonte já leva seu lixo para outros município, a 60 quilômetros.
A conclusão é de que o ideal é educar a população para que tente reduzir o lixo que produz. Reutilizar o que for possível. Ter sistemas eficientes de reciclagem, para o que não for possível. E, no fim do processo, aterrar ou incinerar (esta opção, em condições seguras) - fazendo as contas completas para saber qual das duas últimas alternativas custará menos à sociedade, em termos ambientais e financeiros.
(Por Washington Novaes, O Estado de S. Paulo / IHUnisinos, 07/06/2009)