Os recentes enfrentamentos no Peru “são o resultado de um conflito entre indígenas da selva e o governo de Alan García, por causa da exploração das riquezas petrolíferas”, escrevem Yvon Le Bot e Jean-Patrick Razon em artigo publicado no jornal mexicano La Jornada, 08/06/2009. Mas, alertam os autores, “o que acontece no Peru é uma ilustração dramática de um problema que se tornou crucial em toda a América Latina: a exploração do subsolo e a devastação do meio ambiente em detrimento dos povos autóctones e da biodiversidade”.
Yvon Le Bot é diretor de pesquisa do Centro Nacional de Pesquisas Científicas (CNRS) e autor de La grande révolte indienne (Éditions Robert Laffont, 2009) e Jean-Patrick Razon é diretor de Survival International (France), movimento mundial de apoio aos povos indígenas.
Eis o artigo:
Enfrentamentos entre indígenas amazônicos e a polícia deixaram dezenas de mortos entre indígenas e numerosos feridos na sexta-feira (05/06) no norte do Peru. Os nativos, que bloquearam a estrada transamazônica, tomaram vários policiais como reféns. As forças da ordem dispararam contra os manifestantes, utilizando inclusive helicópteros, segundo algumas fontes. Estes enfrentamentos são o resultado de um conflito entre indígenas da selva e o governo de Alan García, por causa da exploração das riquezas petrolíferas. Imensas reservas foram descobertas em anos recentes na região. Um milagre, segundo o presidente García, que multiplica as iniciativas favoráveis à sua exploração por empresas estrangeiras, entre elas a Perenco, um grupo franco-britânico. Isto tem consequências trágicas para as comunidades de caçadores-coletores que obtêm seus recursos da floresta e dos rios.
Os indígenas agrupados na Associação Interétnica para o Desenvolvimento da Selva Peruana se mobilizaram contra a destruição e a poluição de seu espaço vital e, depois de várias semanas, a tensão não chega ao fim. Eles receberam o apoio de numerosos setores da população de todo o país. Antes dos acontecimentos dos últimos dias, uma mobilização geral havia sido programada para o dia 11 de junho. O governo manifestou sua vontade de abrir o caminho às companhias a qualquer custo, debochando dos direitos reconhecidos às comunidades desde os anos 1970 (pelo governo militar progressista de Juan Velasco Alvarado), protegidos pelas convenções da ONU.
O que acontece no Peru é uma ilustração dramática de um problema que se tornou crucial em toda a América Latina: a exploração do subsolo e a devastação do meio ambiente em detrimento dos povos autóctones e da biodiversidade. No Brasil, Chile, Colômbia, Guatemala... os grupos indígenas se opõem às empresas de exploração de recursos petrolíferos, minerais ou florestais. No Equador, as comunidades amazônicas abriram um processo histórico contra a empresa transnacional Texaco, que provocou um verdadeiro desastre ecológico em uma vasta região. Nunca se havia visto que as comunidades amazônicas abrissem um processo contra uma grande multinacional e ainda menos que os tribunais se mostrassem sensíveis aos seus argumentos (uma decisão final está sendo aguardada para as próximas semanas).
Vários governos latino-americanos enfrentam o mesmo problema e se esforçam para avançar nas soluções negociadas. Esse é o caso da Bolívia, onde o presidente indígena Evo Morales renacionalizou as reservas de hidrocarbonetos e renegociou com as empresas estrangeiras as condições de sua exploração, a fim de garantir uma redistribuição mais equitativa dos lucros, especialmente por meio de programas de desenvolvimento, de educação e de saúde para as populações que o requerem.
O presidente equatoriano, Rafael Correa, por sua vez, propôs congelar a exploração de uma região inteira da Amazônia por razões ecológicas e em troca de contrapartidas financeiras da parte da comunidade internacional. No Brasil, uma decisão recente da Suprema Corte da Justiça confirmou uma ordem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que reconhece um imenso território de povos indígenas no norte do país [Terra Indígena Raposa Serra do Sol] e freia assim a penetração de aventureiros atrás da exploração do ouro ou de traficantes de madeira (cerca de 13% da superfície do Brasil é hoje considerada reserva indígena).
Os movimentos indígenas que se desenvolveram na América Latina nas últimas décadas obtiveram avanços importantes em nome do país e incluíram o reconhecimento dos direitos territoriais. Contudo, o subsolo permanece como propriedade da nação e a maioria das vezes sua exploração é confiada a companhias nacionais ou multinacionais que pilham e saqueiam sem qualquer consideração aos ocupantes nem ao meio ambiente.
(Por Yvon Le Bot e Jean-Patrick Razon, La Jornada / IHUnisinos, com tradução de Cepat, 08/06/2009)