O conflito entre indígenas e governo no Peru afeta atividades da Petrobras e da Odebrecht, as maiores empresas brasileiras que atuam no país, inclusive na região de selva. Prestes a iniciar a perfuração de um poço no lote 58 -na área rica em gás de Camisea, um dos seis lotes nos quais detém direitos de exploração no país-, a Petrobras no Peru ficou ao menos 18 dias sem poder transportar provisões, incluindo diesel e gasolina para a aviação, pelo rio Urubamba, bloqueado pelos manifestantes.
A empresa diz ter negociado com os indígenas para liberar a passagem, em 1º de maio, e informou à Folha que "continua negociando com as comunidades locais a movimentação de suas provisões". Já a construtora Odebrecht, que participa da construção de ao menos duas megarrodovias no país, informou que suas obras na rodovia norte só estão paradas entre Bagua -justamente onde houve o confronto entre indígenas e polícia que deixou dezenas de mortos- e a cidade peruana de Buenos Aires. A região está sob toque de recolher desde sexta.
Atuação controversa
A presença de petrolíferas na Amazônia é parte do conflito no Peru. A Petrobras diz que age sempre de acordo com altos padrões ambientais e com as normas peruanas, mas para analistas e indígenas o problema é exatamente que as regras do país já eram frouxas e foram ainda mais flexibilizadas pelo governo Alan García.
Segundo estudo da Universidade Duke (EUA), a Amazônia peruana tem a maior porcentagem -72%- destinada à exploração de gás e petróleo, quer em áreas concedidas ou em negociação. Segundo a lei peruana, o Estado é dono do subsolo, o que na interpretação do governo abre caminho às licitações. Mas analistas e lideranças indígenas apontam que a regulamentação ocorreu à revelia do convênio 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), adotado pelo Peru, que prevê a consulta prévia aos indígenas.
Segundo a antropóloga Margarita Benavides, da ONG peruana Instituto Bem Comum, grande parte dos blocos de exploração se sobrepôs a terras reivindicadas por indígenas e de preservação. "Fazer as concessões sem titular as terras indígenas primeiro é receita para um conflito permanente."
O Brasil não deve por enquanto pronunciar-se sobre a crise no Peru, mas a situação está sendo acompanhada pela assessoria internacional do Planalto. Uma das preocupações é que seja afetado o diálogo entre Bolívia e Chile sobre a antiga reivindicação de La Paz de uma saída para o mar -Lima tem poder de veto no tema. Sobre empresas brasileiras na Amazônia peruana, fonte do Planalto disse esperar que elas, beneficiárias da política de integração regional, contribuam para diminuir as tensões.
(Por Flávia Marreiro, com colaboração de Agnaldo Brito, Folha de S. Paulo, 11/06/2009)