A sedução pelo crescimento econômico acelerado está destruindo todo um patrimônio de riquezas naturais em Angola, país de língua portuguesa, fragilizado por uma guerra civil que durou dezoito anos. A Hidrelétrica Capanda foi construída no Kwanza, o principal rio de Angola e entrou em operação em 2006. A formação do reservatório engoliu 172 quilômetros quadrados de florestas nativas e afetou uma área com mais de 152 mil quilômetros quadrados da bacia hidrográfica do Kwanza, a mais extensa de Angola e detentora de uma das mais ricas biodiversidades do planeta.
Os autores dessa façanha? A empresa estatal brasileira Furnas Centrais Elétricas e a Construtora Norberto Odebrecht, com recursos do BNDES. É o mesmo grupo que está construindo a mega obra no rio Madeira, a usina de Santo Antônio e que, também, foi responsável pelo desastre de uma hidrelétrica no Equador. Tanto em Angola como no Equador Furnas realizou a fiscalização técnica e contratual e prestação de serviços de consultoria e assessoria.
Os investimentos para a construção de Capanda passaram dos 3 bilhões de dólares dos quais o BNDES contribuiu com 1,13 bilhão de dólares. A potência instalada é de apenas 520 Mw, e há projetos e estudos técnicos de outros sete aproveitamentos hidrelétricos ao longo do rio Kwanza para gerar mais 2.100 Mw.
Por outro lado, apenas 15% da população de Angola têm água potável canalizada. A capital, Luanda, não tem coleta de lixo e o saneamento básico praticamente não existe. Como o Brasil, em especial o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), Angola também privilegia grandes obras sem avaliação prévia das necessidades da sociedade, alimentando a desigualdade com práticas ambientalmente danosas.
Atualmente Luanda é palco de um desenvolvimento anacrônico onde estão sendo construídos, com mão de obra semi-escrava chinesa, grandes edifícios e condomínios de luxo para abrigar altos funcionários e burocratas das empresas que vão explorar os setores de energia e telecomunicações. Enquanto isso, aumentam a miséria urbana e as doenças infecto-contagiosas decorrentes do desequilíbrio imposto pelo ataque indiscriminado aos recursos naturais.
Para construir Capanda foi preciso, além da cumplicidade das empresas brasileiras com o governo de Angola, destruir obstáculos praticamente intransponíveis como as florestas de Baobás - árvores de 30 metros de altura com capacidade de armazenar, em seu caule gigante, até 120.000 litros de água e que são denominadas, também, "árvores-garrafa”, desalojar famílias sem a devida indenização, canalizar e mudar cursos d’água causando a destruição do hábitat e a extinção de peixes nativos. Tudo isso sob as vistas de um Estado que não exige estudos ambientais compatíveis, que não escuta a sociedade, e que não adota medidas mitigadoras ou critérios para a remoção e reassentamento das comunidades tradicionais afetadas pelo empreendimento.
Em depoimento, uma moradora removida da área impactada pela usina de Capanda afirmou estar “feliz” com a nova moradia, pois a água das enchentes só chegava, agora, até a cozinha e não atingia mais as camas da família. Esse é o cenário que ilustra a dimensão do que se passa em Angola, sob o patrocínio de empresas brasileiras estatais e privadas.
Continuando o projeto de construir grandes barragens na África, Furnas e Odebrecht assinaram no ano passado, 2008, mais um contrato para a realização dos estudos de viabilidade da futura Hidrelétrica Baynes, no rio Cunene na fronteira de Angola com a Namíbia. Além das duas empresas, integram ainda o consórcio Cunene, a Eletrobrás e a Engevix, outra grande empreiteira que será responsável pela “interface” entre os estudos de engenharia e os estudos socioambientais.
A implantação do empreendimento dependerá apenas da aprovação do Estudo de Viabilidade da Hidrelétrica Baynes e da licitação a ser feita pelos governos de Angola e Namíbia, sem processo de licenciamento ambiental. Paralelamente, a Odebrecht, em parceria com angolanos, começou a plantar 30 mil hectares de cana-de-açúcar em terras na província de Malanje, nas margens do lago da Hidrelétrica Capanda, já devidamente despojadas da floresta de Baobás e com infinita disponibilidade de água para irrigação. O projeto pretende produzir anualmente 250 milhões de toneladas de açúcar, 50 mil metros cúbicos de etanol e gerar 140 megawatts com a queima dos resíduos da produção.
A cana-de-açúcar é apenas mais um negócio da empreiteira na escalada da exploração e destruição dos recursos naturais na África, que se soma às minas de diamantes e construção de barragens. Os detalhes finais para outras duas hidrelétricas com capacidade de geração de mais 5 mil megawatts, já estão sendo finalizados entre a Odebrecht e o governo angolano.
Os consórcios brasileiros formados por grandes empreiteiras e empresas estatais estão repetindo na África as estratégias de negócios praticadas no Brasil e nos países da América do Sul como Peru, Bolívia e Equador. Essas estratégias estão calcadas em um modelo de desenvolvimento ambientalmente agressivo e consumidor dos recursos naturais. Ao criar negócios exclusivamente para acumulação de riquezas por poucos à custa da privatização dos recursos naturais, se produzirá mais desigualdade social através da degradação ambiental.
(Por Telma Monteiro, telmadmonteiro.blogspot, 10/06/2009)