Responsável pelo recém-lançado estudo A Farra do Boi na Amazônia, feito após três anos de investigações sobre a indústria do gado, André Muggiati, ativista do Greenpeace conversou exclusivamente com o Amazonia.org.br sobre a situação atual da atividade pecuária na região. Na entrevista, Muggiati acredita que a realidade da pecuária na Amazônia é uma realidade irreversível. Sua expansão, porém, deve ser controlada pelo governo. "é que os recursos públicos que hoje estão sendo investidos na pecuária devem ser redirecionados para outros tipos de atividades que permitam o desenvolvimento da Amazônia sem a destruição da floresta", afirma.
Na sua opinião, qual é o risco da pecuária para a região amazônica?
Muggiati - Segundo os dados do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] de 2006, cerca de 80% das áreas desmatadas na Amazônia estão relacionadas à pecuária e vários estudos já realizados nos últimos anos apontam a relação entre pecuária e desmatamento. O maior problema da pecuária, da atividade pecuária, é que ela é o maior causador de desmatamento na Amazônia.
Por que a Amazônia é atualmente o "Reino do Gado"?
Muggiati - Não existe uma causa isolada, são várias causas simultâneas. Em primeiro lugar, as terras do sul, sudeste e centro-oeste do país têm sido ocupadas por outras culturas que necessitam de mais infraestrutura e que ocupam essas terras que têm mais valor. Por outro lado, há na Amazônia um processo muito intenso de ocupação ilegal que faz com que as terras na região sejam mais baratas, e isso tem deslocado a produção da pecuária de outras regiões para a região amazônica. Ao mesmo tempo se tem outros fatores neste contexto. Recentemente tivemos casos de febre-aftosa no Paraguai - em regiões fronteiriças com o Brasil - ao mesmo tempo em que vastas regiões da Amazônia se tornavam livres da aftosa para fins de exportação. Isso também estimulou o deslocamento da pecuária para a região amazônica.
É possível haver a produção da pecuária sem impactos para a floresta e para as pessoas que vivem na região?
Muggiati - Não. A expansão da pecuária é incompatível com a conservação da floresta e do meio ambiente. Sobre as áreas que já existem a pecuária, é muito difícil acreditar que elas vão voltar a ser floresta, neste caso é necessário haver uma solução para isso. É possível também intensificar a produção nas áreas já abertas, sem derrubar mais floresta, mas para isso você vai precisar de uma série de incentivos para que isso aconteça. Hoje é muito mais barato abrir novas áreas de floresta para a expansão da produção do que intensificar a produção nas áreas mais abertas.
Estudos também afirmam que investimentos como o do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a essas atividades promovam ainda mais a devastação. Você concorda com essa opinião?
Muggiati - Com certeza. O financiamento, o estímulo governamental, é um dos fatores que leva a expansão da atividade. Inclusive o financiamento de grandes projetos como o do frigorífico Bertin, no município de Marabá (PA), aponta isso. Entre 2007 e 2008, houve na cidade um aumento de 133% no desmatamento. Portanto, isso aponta como esses investimentos que estão sendo feitos na região estimulam a expansão.
O corte desses financiamentos diminuiria esses impactos?
Muggiati - O que a gente defende é que os recursos públicos que hoje estão sendo investidos na pecuária sejam redirecionados para outros tipos de atividades que permitam o desenvolvimento da Amazônia sem a destruição da floresta, como o uso responsável de recursos naturais, por exemplo, e também investimentos em outras atividades como na área de biotecnologia, informática, pesquisa. Dá para se gerar um modelo de desenvolvimento que seja diferenciado para região amazônica e que não repita os erros passados que levaram à devastação quase todos os outros biomas do Brasil.
Você acredita que um dia não haverá mais pecuária na Amazônia ou que, pelo menos, ela não impacte tanto?
Muggiati - A realidade da pecuária na Amazônia é uma realidade irreversível. A expansão da pecuária pode e deve ser controlada pelo governo. O Greenpeace acredita no desmatamento zero, a gente acredita no fim do desmatamento até 2015 na Amazônia. Nós acreditamos que com políticas adequadas isso é sim possível.
(Por Thais Iervolino, Amazonia.org.br, 08/06/2009)