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trabalho escravo
2009-06-10

Quando você escuta o que Leonardo Sakamoto tem a dizer sobre trabalho escravo no Brasil fica espantado. Embora o Brasil ainda seja apontado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) como um país exemplo no combate a esse problema, o trabalho escravo é uma dura realidade para as mazelas mais pobres que estão à margem da sociedade. Essa camada mais pobre muitas vezes não apenas se submete ao trabalho forçado uma vez, como também, sem opção, volta a optar por esses mesmos lugares tempos depois. “O trabalho escravo se arvora num tripé: impunidade, ganância e pobreza. A impunidade está sendo combatida e a ganância está começando a ser impugnada, mas a pobreza está longe de ser erradicada”, diz Sakamoto, nesta entrevista que concedeu por telefone à IHU On-Line.

O cientista político e integrante da ONG Repórter Brasil considera que nossas relações de trabalho atuais ainda são baseadas na relação que se estabeleceu antes da Lei Áurea, ou seja, ela está fundamentada no modelo de trabalho escravo do período colonial e imperial que o país viveu. Sendo a pobreza o grande motivo de um trabalhador se submeter a esse tipo de estrutura de trabalho, o Brasil ainda está longe de verdadeiramente ser um exemplo para o mundo.

IHU On-Line – O Brasil é um país de destacado pela OIT pela atuação no combate ao trabalho escravo. Você concorda? Que ações merecem ser valorizadas?
Leonardo Sakamoto –
Realmente, o Brasil pode ser considerado, comparado com outras ações no combate do trabalho em escravo em outros países, um exemplo internacional. Esse exemplo foi construído através de muita pressão e atuação da sociedade civil e movimentos sociais nos últimos 120 anos. Desde a Lei Áurea, há formas de dominar a força de trabalho a ponto de o sujeito ser considerado um objeto. As organizações sociais, entidades lutadoras pela liberdade, já atuavam naquela época. São mais de cem anos de luta. Quando a Organização Internacional do Trabalho (OIT) avalia que o governo e a sociedade civil brasileira são um exemplo, é uma consequência de toda essa atuação. No entanto, ao mesmo tempo em que é um exemplo internacional nesse sentido e nos mostra o que temos caminhado, se formos comparar os outros exemplos de outros países, você acaba ficando muito triste. Se o Brasil está avançando, mesmo com suas dificuldades e problemas no combate a esse crime, os outros países estão muito aquém. Países como o Paquistão e Índia, por exemplo, ainda estão engatinhando no combate ao trabalho forçado. Nós estamos bem, mas numa situação em que o mundo inteiro está mal. Então, precisamos considerar isso.

No entanto, o trabalho escravo ainda é uma realidade. Qual é o status desse problema no país?
Sakamoto –
A situação é a seguinte: o combate ao trabalho escravo no Brasil funciona, com estrutura oficial, desde 1995 e a partir de então pouco mais de 35 mil pessoas foram libertadas. Alguns pensam que é um número grande. No entanto, ainda estamos muito longe de erradicar essa prática. Algumas pessoas perguntam: quantos escravos vivem no Brasil? Isso é impossível de estimar: a CPT já pensou em 25 mil, e alguns funcionários públicos em 40 mil. A verdade é que, de 1995 até hoje, avançamos muito na construção de instrumentos públicos para combater essa prática. Temos uma fiscalização forte que verifica a situação no campo e retira trabalhadores, além da ação cada vez mais relevante da Justiça do Trabalho junto com o Ministério Público, para fazer com que os escravagistas contemporâneos paguem indenizações. Também temos um número crescente – desde 1996 quando o STF, numa decisão em que a Justiça Federal quis mostrar competência para julgar esse tipo de crime – de casos de condenação criminal (como pessoas na cadeia), além de punições econômicas da sociedade civil. Os escravagistas vão para uma lista negra do Ministérios do Trabalho,  e esse cadastro é público e usado por empresas, bancos privados e públicos para cortar financiamento. Agora, isso ainda é pouco, porque o trabalho escravo se arvora num tripé: impunidade, ganância e pobreza.

A impunidade está sendo combatida e a ganância está começando a ser impugnada, mas a pobreza está longe de ser erradicada. O trabalho escravo não é uma doença, mas ele é uma febre, ou seja, um sintoma de algo mais grave. A doença é a pobreza, a falta de acesso a possibilidades, a alternativas de vida, que empurra milhões de pessoas para fora de suas casas em busca de subemprego, da qual o trabalho escravo é a pior condição. Então, estamos avançando no combate à impunidade e ganância, mas muito longe de combater a pobreza no Brasil, que é mãe do trabalho escravo.

Qual sua análise desse recente relatório que a OIT divulgou sobre trabalho escravo?
Sakamoto –
É o terceiro relatório sobre trabalho forçado no mundo. O segundo foi lançado em 2005 e lá ele já aparecia como um bom exemplo. A OIT diz que as perdas com o trabalho forçado no mundo é de em torno de 21 bilhões de dólares. Ao mesmo tempo, ela destaca que o problema, no Brasil, se concentra na agricultura. No entanto, afirma que, também, há exemplos de práticas de experiências no combate ao trabalho escravo através da educação. Do mesmo modo, critica que as punições criminais pelo trabalho escravo ainda são pequenas, comparadas com o tamanho do crime. Além de tudo, coloca desafios no sentido de garantir trabalho decente para esses trabalhos para que se evite o problema. De qualquer modo, de maneira geral, o relatório é muito simpático ao país.

Onde o problema do trabalho escravo no Brasil é maior?
Sakamoto
– Nas regiões de expansão agropecuária. Os agropecuários ou não querem gastar ou não têm dinheiro para capitalizar e começar o seu empreendimento de forma correta. Desta forma, eles acabam usando mão-de-obra forçada nas áreas periféricas da fazenda, ou seja, eles não usam trabalho escravo na operação de colheitadeira, mas sim para fazer cerca, expandir pasto, derrubar floresta. Assim, o foco do trabalho escravo no Brasil está na Amazônia oriental e meridional e também na região do Cerrado e no Pantanal. É claro que não se reduz a isso: há trabalho escravo desde o Rio Grande do Sul, passando por São Paulo, Rio de Janeiro, Acre....

O incentivo do governo em relação à produção de etanol, logo de cana-de-açúcar, provocou o aumentou o problema do trabalho escravo no país?
Sakamoto –
Essas relações de causa e efeito são muito difíceis de comprovar. O que acontece é que o Ministério do Trabalho começou, há uns dois anos, um trabalho maior sobre a cana-de-açúcar, pois o Brasil começou a produzir mais esse produto. Foi uma ação preventiva. Não é necessariamente por causa de denúncias, mas pelo interesse do país e pelo aumento da produção. O Ministério do Trabalho começou a fazer mais fiscalização porque se preocupou com a produção do etanol e acabou enfrentando uma situação que existia não por causa da produção da cana, mas já desde antes. Há muito tempo, se tem uma ligação da produção do açúcar com o trabalho forçado.

De que forma o marcado globalizado também incentiva a prática do trabalho escravo?
Sakamoto –
Através do comércio, pois temos trabalho escravo em diferentes setores do Brasil, como a cadeira produtiva da carne, do aço, do ferro, da soja, do algodão, da cana, da madeira, de arroz, feijão, milho. Ao consumir produtos sem saber a origem, sem pressionar para que a cadeia de produção seja limpa, você está contribuindo para o trabalho escravo no Brasil. Ao mesmo tempo, há diversos atores internacionais que demandam produtos cada vez mais baratos sem se preocupar o que isso significa lá na ponta.

O que acontece com o trabalhador que foi submetido à escravidão?
Sakamoto –
Ele recebe seguro-desemprego por três meses, e passa a ser inserido no cadastro do Bolsa-Família. Também há programas de requalificação no Ministério do Trabalho, assim como programas de reinserção ao mundo trabalho, mas ainda é pouco. Apesar de haver uma política nacional de inserção desses trabalhadores na sociedade, muitas vezes eles acabam caindo novamente na teia da escravidão.

De que forma o escravismo se explica através do perfil da sociedade brasileira contemporânea?
Sakamoto –
O trabalho escravo, mas também as relações de trabalho no Brasil, são uma herança do escravismo colonial e imperial que tivemos. A sociedade escravista moldou as relações de trabalho país, a relação entre direitos e deveres, e a maneira como é vista a geração de riqueza. Na verdade, quando houve a “canetada” da Princesa Isabel, o Brasil e os produtores brasileiros estenderam ao máximo o limite para a abolição da escravatura até o momento em que não pode mais. Mas aquela libertação não foi feita de maneira que garantisse a inserção daqueles escravos na sociedade brasileira. Liberou-se essa força de trabalho, e os trabalhadores não tiveram compensação. Ainda vivemos consequências daquilo, o que foi muito útil ao capital. Não estou falando de negros ou indígenas apenas, mas sim de toda a população de trabalhadores, o que é uma herança daquela época.

(IHUnisinos / Amazonia.org.br, 09/06/2009)


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