Colunista do jornal "La República", Javier Diez Canseco é antigo militante da esquerda peruana. A partir da democratização do país, em 1978, foi constituinte, senador e congressista por vários mandatos até ser derrotado ao disputar a Presidência em 2006. Em entrevista por telefone, de Lima, ele defende investigação internacional sobre as mortes em Bagua e diz que parte da solução do conflito está no Peru se reconhecer como Estado plurinacional. Abaixo, trechos da entrevista.
Folha de S. Paulo - Ao lançar a repressão contra os indígenas, o governo sabia que poderia desencadear reação também violenta?
Javier Diez Canseco - Na região onde ocorreram os conflitos estão ex-combatentes da guerra com o Equador [1995], nativos das etnias awajum e ashaninka que têm experiência com uso de armas. Há também as rondas camponesas, que derrotaram o [grupo maoísta] Sendero Luminoso em várias zonas e às vezes se confundem com a delinquência. Além disso, o governo sabia que havia 38 policiais armados retidos pelos nativos numa base de bombeamento de petróleo. Há vídeos da ofensiva da polícia e da reação dos nativos. A polícia usou franco-atiradores em Bagua. Um dos dirigentes indígenas, Santiago Manuin, tem oito balas no corpo. Isso não é bala perdida.
O governo diz que parte dos policiais foi degolada.
Diez Canseco - Essa versão parece vir do fato de a etnia awajum ser uma etnia guerreira. Não descarto que tenha ocorrido. Não justifico nem aceito. Mas não sei a versão exata, por isso creio que é necessária uma investigação internacional.
Que grupos formam a Associação Interétnica pelo Desenvolvimento da Selva Peruana, que lidera os protestos?
Diez Canseco - A Aidesep agrupa cerca de 60 etnias em oito regiões da Amazônia peruana. Existe há 30 anos e é encarregada da educação bilíngue. Recebeu prêmios internacionais. Não é um grupo de loucos.
O Peru sempre teve uma divisão forte entre a costa e o interior. Qual é a solução?
Diez Canseco - Os grupos que comandaram o Estado no Peru nunca reconheceram o caráter plurinacional do país. O Peru não é um país homogêneo, é diverso. Essa plurinacionalidade implica direitos culturais, judiciais, políticos e territoriais. É uma ideia que está sendo formalizada hoje nas Constituições do Equador, da Bolívia. Até na Colômbia o tema das etnias amazônicas foi reconhecido. No Peru isso não aconteceu. A isso se soma a batalha que o governo trava para abrir a exploração dos recursos naturais às transnacionais.
(Por Claudia Antunes, Folha de S. Paulo, 09/06/2009)