Para quem acha que a proposta de um novo estatuto do índio colocará o índio em pé de igualdade com os não-indios, ao imputar o índio como responsavel por seus atos, veja a matéria abaixo sobre o número de índios nas cadeias de Mato Grosso do Sul! Nada menos que 148 índios estão encarcerados em Mato Grosso do Sul, o estado campeão nessa modalidade brasileira, seguido por Roraima e Santa Catarina. Efetivamente, são os três estados com mais problemas em relação aos povos indígenas brasileiros.
As razões de tantas prisões são as mais diversas, desde assassinatos até pequenos delitos, simples brigas ou bebedeiras. Para muitas pessoas, a escassez de terras para plantar e viver seu modo tradicional é a razão principal da tensão que sofrem os Guarani e os consequentes extravasamentos que resultam em delitos e crimes.
A matéria trata também do preconceito que as elites daquele estado parecem ter contra os indígenas. Segundo o CIMI, esse preconceito está presente inclusive no Judiciário local, dado que os postos mais altos do Judiciário são preenchidos por filhos da elite. Enfim, os índios são imputáveis no Brasil, estão presos por motivos os mais diversos. Não se precisa fazer um novo estatuto para facilitar mais ainda a repressão.
Mato Grosso do Sul é o estado com maior número de indígenas encarcerados*
Em abril deste ano, os presídios de Mato Grosso do Sul abrigavam 148 indígenas, segundo levantamento da Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (Agepen). Relatório estatístico do Ministério da Justiça aponta que, em junho de 2008, o estado mantinha 134 índios detidos. O número colocou Mato Grosso do Sul na posição de estado com maior número de indígenas encarcerados. Santa Catarina e Roraima, os dois segundos colocados, tinham à época 45 detentos índios cada.
O registro de abril é cerca de 48% maior do que o dos 101 detentos contabilizados em dezembro do ano passado e mais do que o dobro dos 71 que estavam nas cadeias e penitenciárias do estado em junho de 2006, dois meses depois da prisão do líder Guarani Kaiowá Carlito de Oliveira. O cacique é acusado de ser o mandante da morte de dois policiais civis em um confronto em Dourados (MS), no local reivindicado como Terra Indígena Passo Piraju.
O assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Rogério Batalha, rejeita a acusação de assassinato e afirma que “o que houve foi uma defesa coletiva da comunidade agredida”. Os indígenas envolvidos alegam que foram ameaçados pelos policiais. O caso de Passo Piraju é relatado por Batalha como um fato que acirrou as tensões entre índios e não índios no estado. Segundo ele, a repercussão dos acontecimentos na região fez com que os índios passassem a ser vistos como “pessoas agressivas e violentas”.
Em fevereiro deste ano, Carlito de Oliveira foi preso novamente, com mais quatro pessoas, por receptação de objetos furtados. Ele aguardava o julgamento final do crime em prisão domiciliar na aldeia de Passo Piraju. Batalha qualifica a segunda acusação contra o cacique como “absurda”, aludindo ao baixo valor dos objetos (copos, cobertores, um armário, um botijão de gás, entre outros itens comuns). Os índios negam a acusação e afirmam que os objetos foram comprados para uso próprio.
Para o presidente da Comissão Especial de Assuntos Indígenas da Ordem dos Advogados Brasil (OAB) de Mato Grosso do Sul, Wilson Matos, o caso de Oliveira é “emblemático” em relação à criminalização dos índios. O representante da OAB acredita que Oliveira e muitos índios de Mato Grosso do Sul sofrem perseguição das autoridades policiais e do Judiciário, o que justificaria, em parte, o elevado número de indígenas presos no estado. “Eles [os contrários ao processo de demarcação no estado] acham que o índio encarcerado não vai reivindicar as suas terras”, afirmou.
Na avaliação do procurador Marco Antônio Delfino, há uma “externalização do preconceito da sociedade sul-matogrossense”, principalmente em relação às penas, mais duras quando os réus são índios. “Até que ponto há isenção para o julgamento dessas pessoas [índios] na Justiça estadual?”, questiona o procurador. Wilson Matos destacou o fato de grande parte dos promotores e juízes do estado pertencer a famílias de produtores rurais, contrários ao processo de demarcação de terras indígenas no estado. “Os juízes e os promotores são filhos das oligarquias, defendem a terra e os fazendeiros”, afirmou.
A federalização dos casos judiciais envolvendo indígenas seria uma forma de amenizar o problema, de acordo com o procurador Delfino. Ele citou como exemplo o julgamento dos acusados de assassinar, em janeiro de 2003, o cacique Guarani Kaiowá, Marcos Veron. Em fevereiro deste ano, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, atendeu ao pedido do Ministério Público Federal (MPF) e determinou que o julgamento no Tribunal do Júri ocorra em São Paulo.
Na ocasião, o MPF afirmou que a mudança no local do julgamento era necessária para garantir a imparcialidade dos jurados e evitar que a decisão sofra influência social e econômica dos supostos envolvidos no crime. Segundo o MPF, duas testemunhas teriam mudado seus depoimentos após serem contratadas para trabalhar em uma das propriedades do dono da fazenda onde ocorreu o conflito.
No pedido pela mudança de local do júri, o MPF também mencionou as manifestações do juiz estadual que preside o Tribunal do Júri da comarca de Dourados, Celso Antônio Schuch Santos. Em um julgamento presidido por ele, o magistrado teria se manifestado oralmente contra os indígenas e contra o procurador responsável pelo caso. Foi também anexado ao pedido um laudo antropológico confirmando a existência de preconceito contra os indígenas por parte da população sul-mato-grossense, de políticos locais e de magistrados.
No entanto, o procurador Delfino ressaltou que a violência dentro das comunidades é muito forte, por isso, nem todas as prisões de índios podem ser atribuídas à criminalização. Segundo ele, essa violência se deve em grande parte à “situação de confinamento” que os indígenas vivem nas reservas e nos acampamentos. “A responsabilidade é do governo federal que deixou os índios abandonados à própria sorte”, disse Delfino, ao se referir ao grande número de índios concentrados em reservas sem qualquer tipo de segurança.
Em entrevista à Agência Brasil, a juíza da 1ª Vara Criminal de Dourados, Dileta Terezinha Souza Thomaz, negou que haja perseguição a indígenas em Mato Grosso do Sul por parte da Justiça Estadual e da polícia do estado.
* Reportagem de Daniel Mello, da Agência Brasil
(Blog do Mércio, 09/06/2009)