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trabalho escravo carvoarias
2009-06-09

Os 174 trabalhadores de uma carvoaria no oeste da Bahia aguardam, em condições degradantes, o cumprimento de uma decisão judicial tomada na semana passada. Os carvoreiros foram encontrados no dia 27 de maio pelo grupo móvel de combate ao trabalho escravo do governo federal. As empresas responsáveis pela exploração irregular de mão-de-obra se recusam a pagar cerca de R$ 460 mil em indenizações e salários.

As condições consideradas análogas à escravidão foram flagradas na Fazenda Jaborandi II, uma propriedade de mais de 36 mil hectares localizada no município do mesmo nome, próxima à divisa com Goiás. A operação do governo foi prorrogada até que as empresas paguem o que devem aos trabalhadores.

Ação do grupo móvel, integrado por auditores do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), com apoio da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público do Trabalho (MPT), identificou no local as três condições que caracterizam o trabalho escravo: alojamentos e fornecimento de comida e água precários e sem higiene, restrição de liberdade devido ao isolamento da fazenda, combinado com trabalho contínuo em finais de semana e feriados, e a servidão por dívidas.

Segundo o MPT, os trabalhadores foram aliciados para o trabalho por “gatos”, nome dado aos intermediários desse tipo de mão-de-obra, e não tinham carteira de trabalho assinada. Estavam sem receber salários, viviam em instalações precárias, sem equipamentos de proteção e mantinham dívidas com itens básicos de sobrevivência “anotadas no caderninho”.

Para comer, os trabalhadores eram obrigados a adquirir produtos nas “cantinas” da fazenda, com ágio mínimo de 30% em relação ao preço de mercado. As três mulheres cozinheiras tinham de usar como banheiro um cercado de plástico no meio do acampamento.

Os carvoeiros, aliciados em Goiás, Minas Gerais e Piauí, abasteciam 450 fornos em jornadas de até 9 horas por dia. Segundo os fiscais, a jornada deveria ser de no máximo 8 horas, desde que os trabalhadores tivessem equipamentos de proteção, principalmente máscaras e botas para se protegerem da fumaça e do calor das três baterias de fornos. Os alojamentos, quando não eram improvisados com lonas, ficavam próximos das baterias de carvão. Como isso, a fumaça invadia constantemente os dormitórios, segundo o relato dos trabalhadores ouvidos pelos fiscais.

Trabalhadores escondidos

O impasse fez com que o MPT pedisse à Justiça o bloqueio de R$ 366.271,11, referentes a dívida trabalhista de 154 trabalhadores, das contas das empresas Rotavi e Carvovale, ambas responsáveis pela exploração do carvão. A ação foi deferida, ainda na última quinta-feira (4), em liminar dada pela Vara do Trabalho de Bom Jesus da Lapa (BA).

Enquanto o procurador do MPT, Lúciano Leivas, tratava da ação, os fiscais do MTE e os policiais federais encontraram mais 20 trabalhadores da carvoaria escondidos pelos "gatos" em acampamentos improvisados no meio do mato.

A descoberta desses trabalhadores, que ainda não tinham sido identificados, fez com que a polêmica ficasse ainda maior, pois as empresas não reconhecem esses outros 20 carvoerios e os fiscais exigem que o pagamento seja aumentado para R$ 460 mil, contemplando todos os trabalhadores encontrados na fazenda, uma área com mais de 36 mil hectares. "Esse é um dos motivos da controvérsia com os representantes das empresas que se apresentaram até agora no local. Eles não reconhecem a situação encontrada pelo grupo móvel e têm feito uma negociação totalmente desleal desde o início da operação", diz Luciano Leivas.

Ainda segundo o representante do MPT, impasses como esse são incomuns nas operações do grupo móvel. "Falo pela experência institucional do grupo móvel, já que essa é a minha primeira participação nessas operações. Aconteceram operações com mais de 40 dias, no meio da selva amazônica e em condições de deslocamento para o pagamento dos trabalhadores muito difíceis", explica o procurador do MPT.

Tentativa de dispersão
No terceiro dia da operação do grupo móvel, os "gatos" tentaram dispersar os trabalhadores sob a ameaça de que não abasteceriam mais os alojamentos com comida caso os carvoeiros não aceitassem ir embora. Segundo o relatório do procurador do MPT, os "gatos"  "dirigiram-se aos trabalhadores das três baterias de fornos e inciaram processo de coação para que eles deixassem o local. "Também se constatou a interrupção da alimentação dos trabalhadores visando ao mesmo fim", ressaltam os procuradores.  

Para conter a ação dos "gatos", os policiais federais tiverem de reprimir a operação e saíram em perseguição aos aliciadores. "Como os aliciadores conhecem bem a região, os policiais não conseguiram capturá-los", relembra Luciano Leivas. O caso também é narrado por um dos trabalhadores em seu depoimento. Reginal Mendes Pereira disse que “Careca”, apelido de um dos aliciadores, reuniu os trabalhadores de Minas Gerais, "combinando dar um adiantamento de R$ 200,00, e que fossem embora para Minas, tendo afirmado o empregador, que depois a "firma” acertaria os demais direitos".

Segundo o procurador, a tentativa de dispersão e os 20 trabalhadores encontrados após a ação do grupo móvel foram os fatos que motivaram a entrada da ação cautelar na Justiça do Trabalho. "Conversamos com três advogados nesse período de dez dias. Dois da Carvovale e um da Rotavi, que até agora não resolveram o problema", diz o procurador.

Durante as negociações, os advogados das empresas também tentaram repassar a responsabilidade da contração e condições ilegais dos trabalhadores para os dois "gatos", Jorge Klassen, conhecido como Jorginho, e José Geraldo, o Careca. "Nunca existiu qualquer contrato formal de terceirização entre a empresa criada pelos aliciadores, a J.J, e as empresas que exploravam economicamente a área", ressalta o representante do MPT.

Capital de R$ 70 milhões
Para Luciano Leivas, a capacidade econômica das duas empresas, com R$ 70 milhões de capital, é incompatível com as péssimas condições de trabalho a que submete seus trabalhadores. A Rotavi Componentes Automotivos Ltda. é fabricante de ferro-ligas e ligas à base de silício e magnésio, como produtos de ferro silício, inoculantes, ligas de magnésio e briquetes de carbureto de silício. A empresa usa o carvão vegetal como combustível na fabricação das ligas.

O Grupo Rotavi, segundo MPT, tem como principal mercado a fundição automotiva e também mantém atividades nos setores de transporte e mineração. Tem composição societária formada pelas empresas Savannah Finance Corporation – Safinco, com sede nas Ilhas Cayman, Bloco Trading Ligas e Metais – Alloys Metals S.A., em Portugal, e Gevag Gesellchaft Fur Anlage Und Verwaltung Ag., em Zurique, Suíça.

A Carvovale é responsável pelos serviços técnicos na atividade de carvoejamento como engenharia florestal, administração e outros serviços especializados nessa área. Desde a última sexta-feira (5) e durante o final de semana o Congresso em Foco tentou fazer contato com os representantes das duas empresas, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.

Depoimento de um trabalhador
Além das fotos produzidas pelos fiscais do grupo móvel, o site também teve acesso aos depoimentos dos trabalhadores da Fazenda Jaborandi II. Manoel Cleyton Nunes de Carvalho chegou à fazenda depois de saber que seus amigos do município de São José do Peixe, Piauí, tinham conseguido trabalho na cidade de Posse (GO), vizinha à carvoaria.

Ao grupo móvel, Manoel Cleyton relata as condições do local onde tinha começado a trabalhar no último dia 5 de maio:

O barracão 
"Dormia em um barracão em uma cama da empresa, mas outros dormem no chão. O barracão é muito frio porque é tudo aberto e não lhe deram coberta. O barracão não tem banheiro e não tem luz elétrica. As necessidades fisiológicas são feitas no mato. A fazenda não fornece papel higiênico. Eles tomavam banho atrás de um container com um plástico preto que fecha um lado. Bebem água que vem em uma pipa que é usada para apagar fogo do carvão quando sai do forno. Existe um filtro mas nunca teve água, e ele nunca tomou água do filtro. Os fornos foram construídos perto dos barracos e a noite não consegue dormir direito, pois entra muita fumaça."

A comida
"No almoço comiam feijão, arroz carne e macarrão. É muito pouco. Na janta comiam feijão, arroz e macarrão e quando não tem carne vinha um ovo. A carne não era fornecida normalmente, apenas de vez em quando. Comiam no barraco, mas não havia mesa para fazerem as refeições."

A jornada de trabalho
Começava a trabalhar por volta das 6h e ia até às 17h. Às vezes um pouco mais quando demoram para o caminhão buscar. Não tem hora certa para o almoço, trabalhavam direto, inclusive sábados e feriados, mais que no domingo não era obrigado. Os trabalhadores que exerciam outras atividades também trabalhavam aos sábados."

Equipamentos de segurança
"Nunca foi dado equipamento de proteção. Utiliza uma bota que lhe deram depois de um acidente quando uma tora caiu no seu pé e machucou um dedo. Não tinha material de primeiros socorros e só depois de cinco horas do acidente é que levaram para Posse (GO). Foi atendido por uma enfermeira e voltou para o acampamento e não fez nenhum curativo depois".

O pagamento e o café da manhã.
"Até a presente data (29/05/2009) não recebeu nada, desde que começou no dia 05/05/2009. Lhe foi dito que pagariam de quinze em quinze dias, mas não aconteceu. Foi proposto R$ 11,00, por forno e casa e comida livres, mas não foi pago nada. O senhor Marquinho propôs pagar R$ 25,00 na diária com casa e comida, mas não tem café da manhã. Nas outras sedes tinha café da manhã, mais na sede II era dado um pão dia sim outro não."

Restrição de liberdade
"De 30 em 30 dias o depoente vinha à cidade".

(Por Lúcio Lambranho, Congresso em Foco, 08/06/2009)


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