É impressionante a desatenção da imprensa brasileira sobre o conflito que estorou no Peru entre tropas militares e os índios amazônidas que estão embarrerando as estradas e dutos petrolíferos. Os índios protestam contra uma série de decretos-leis emitidos pelo presidente Alan Garcia que abre a Amazônia para empresas petrolíferas. Os índios não foram consultados e sentem que esses decretos podem facilitar a tomada da Amazônia por essas empresas. Também sentem que estão perdendo a condição de preservar suas terras e garantir sua segurança.
Até agora morreram pelos menos 23 militares e um número desconhecido de indígenas, entre 9 e mais de 30. Talvez 60 mortes tenham ocorrido nos confrontos. E nada disso na imprensa. Mundo afora também é pouquíssima a repercussão. Por que será? É surpreendente o número de militares mortos. Parece que uma parte deles havia sido detida pelos indígenas no início dos confrontos e, ao tentar resgatá-los, terminaram sendo mortos. Os índios alegam que não tinham armas de fogo e que os militares morreram pelo fogo cruzado de seus próprios companheiros. Difícil acreditar nisso.
No Peru, a tensão abre novas preocupações. Flutua sobre a nação o espectro do Sendero Luminoso. A oposição mais ferrenha culpa o morticínio ao governo Garcia. Os indígenas vinham armando protestos desde abril, quando fracassaram as negociações entre suas organizações representativas e o primeiro-ministro. O governo Garcia, aparentemente, não está nem aí para o quê os índios pensam. Quer porque quer explorar a Amazônia, cujas riquezas minerais e madeireiras considera patrimônio de todo o Peru. Não só dos índios. É o principal discurso governamental.
Desde abril os índios passaram a fechar estradas, passagens de barcos pelos rios e a tomar sedes de empresas de petróleo. O governo resolveu reagir e aí deu-se o conflito nesta sexta-feira p.p. A organização indígena pareceu a princípio bem estruturada. Eram mais de 1.000 índios guerreiros em vários pontos na região norte do Peru, descendo para a Amazônia, nas províncias de Bagua e Utcubamba. Suas lideranças estão em Lima. O líder da Aidesep, uma das três principais organizações indígenas peruanas, Alberto Pizango, está foragido, com mandato de prisão por incitamento à violência. Não há perspectiva de fim dos conflitos. Pode haver alguma parada, recuo estratégico, mas os indígenas amazônidas voltarão a reagir.
O grande problema do Peru é que não tem instituições de intermediação com os povos indígenas da Amazônia. Os índios dos Andes, vivendo em comunidades e vilarejos já conectados e integrados ao regime "colonialista" peruano, agem por meio de partidos políticos. Ou se rebelam em partes, como no caso do Sendero Luminoso. Já os amazônidas só recentemente é que iniciaram suas atividades políticos de envergadura maior. Assim, não têm eles mesmos como abrir negociações sérias com o governo. A Amazônia Peruana está ao deus-dará.
(Blog do Mércio, 08/06/2009)