A questão fundiária e o desafio da preservação ambiental se misturam no noticiário das edições de quinta-feira (04/06) dos principais diários, mas apenas os leitores mais atentos vão se dar conta de que os dois fatos estão interligados. Os jornais noticiam que o Senado Federal aprovou a medida provisória que autoriza o governo a transferir para particulares, sem licitação, terras da União na Amazônia. Sob protestos de representantes do movimento ambientalista, acabou sendo aprovada a versão da relatora, a senadora Kátia Abreu, ligada à bancada ruralista e inimiga declarada do ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc.
O texto original da Medida Provisória 458 previa a legalização de 300 mil propriedades ocupadas por particulares desde o período anterior a 1º de dezembro de 2004. No entanto, alterações produzidas durante o processo de tramitação na Câmara dos Deputados acabaram favorecendo um número maior de ocupantes ilegais das terras federais, e o total de beneficiados poderá chegar a 400 mil.
A senadora e ex-ministra Marina Silva tentou aumentar o controle sobre o processo de transferência e limitar a concentração de grandes áreas em mãos de poucos proprietários e desestimular a especulação na região, mas suas propostas foram rejeitadas. Ela queria proibir a venda das propriedades legalizadas, de todos os tamanhos, num período de dez anos após a regularização, além de deixar de fora os interessados que não ocupam diretamente as terras.
Primeiro passo
Segundo os jornais, o resultado final da votação desagradou também os ruralistas, que defendiam regras mais elásticas para o processo de transferência definitiva. No final, ficou decidido que as grandes propriedades poderão ser revendidas três anos depois de legalizadas, enquanto as propriedades menores só poderão mudar de dono dez anos após a legalização.
O patrimônio público a ser transferido para particulares é calculado em 70 bilhões de reais. A legalização fundiária é considerada, por especialistas, como o primeiro passo para a efetivação da legislação de proteção ambiental, pois, sem a propriedade das terras, fica praticamente impossível punir os desmatadores.
Um problema marginal
A despeito da importância do acontecimento, a aprovação da medida provisória que estabelece as regras para a legalização da posse da terra na Amazônia não tem merecido da chamada grande imprensa o destaque necessário. Para compor este comentário, por exemplo, foi preciso recorrer a outras fontes de informação além dos jornais de quinta-feira (04). Alguns leitores que acompanham o noticiário sobre a Amazônia lembram-se, certamente, de que a imprensa costuma cobrir os conflitos na região, e devem estranhar que a mesma atenção não seja dada à tentativa de solução do problema.
Com a pouca informação disponível na imprensa, torna-se difícil formular uma opinião sobre os efeitos da medida provisória aprovada pelo Congresso. Existem controvérsias mesmo entre os especialistas e militantes de movimentos ambientalistas. Para alguns, a regularização da propriedade das terras pode facilitar a implantação de projetos de desenvolvimento sustentável, como o crescente movimento pelo manejo florestal. Para outros, a legalização das terras vai facilitar e estimular a penetração da pecuária em áreas que deveriam ser protegidas.
Disputa por espaço
Ao tratar a questão amazônica como um problema marginal aos interesses do Brasil, longe demais dos grandes centros de decisão, a imprensa contribui para manter o brasileiro das grandes cidades alienado das questões que envolvem o território mais rico em biodiversidade de todo o planeta. A falta de informações estimula a proliferação de mitos e histórias mirabolantes sobre a desnacionalização da Amazônia, quando na verdade os grandes inimigos da floresta são os próprios brasileiros.
Na disputa pelos espaços da mídia e pelo poder de influenciar decisões importantes, a desinformação favorece os responsáveis pela destruição da biodiversidade. Uma sociedade desinformada tem poucos recursos para defender seu patrimônio e seus próprios interesses.
(Por Luciano Martins Costa, Observatório da Imprensa, 04/06/2009)