Parece que os corais têm uma complexidade genética que rivaliza com a dos seres humanos, tendo sofisticados sistemas de comunicação biológica que estão sob a pressão das mudanças globais, e só conseguem sobreviver apoiados pelo adequado funcionamento de um intrincado relacionamento simbiótico com as algas que vivem no interior de seus corpos - afirmam os pesquisadores em um artigo publicado na edição desta semana da revista Science.
As rupturas nesses sistemas biológicos e de comunicações são a causa básica do branqueamento do coral e do colapso dos ecossistemas dos recifes de coral por todo o mundo. Virginia Weis, uma zoóloga da Universidade do Estado do Oregon diz: "Já conhecíamos por algum tempo o funcionamento em geral dos corais e os problemas que eles vêm enfrentando por causa das mudanças climáticas". "Mas, até bem recentemente, se sabia muito menos acerca de sua biologia fundamental, da estrutura de seu genoma e da comunicação interna. Só quando entendermos realmente como sua fisiologia funciona, poderemos saber se eles podem se adaptar às mudanças climáticas, ou se temos algum modo de ajudá-los".
Corais que criam recifes estão enfrentando severas ameaças ambientais, afirma Clayton Cook, diretor de programa na Divisão de Sistemas Integrativos e Organísmicos da Fundação Nacional de Ciências (NSF), que financiou a pesquisa. "As mais evidentes são os eventos de branqueamento ligados à elevação das temperaturas dos oceanos e os efeitos da acidificação dos oceanos na construção de recifes". "É um ponto crítico a compreensão das bases celulares e moleculares de como os corais respondem a essas ameaças. Essa pesquisa demonstra a importância de tais processos básicos como respostas imunológicas para essas questões de importância global".
Os corais são pequenos animais, pólipos que existem como indivíduos geneticamente idênticos e podem se autodefender e matar plâncton para comer. Nesse processo eles também secretam carbonato de cálcio que se torna a base do esqueleto externo onde vivem. Esses depósitos calcificados podem crescer até enormes tamanhos, em longos períodos de tempo, e formar os recifes de coral - um dos ecossistemas mais produtivos do mundo que pode abrigar mais de 4.000 espécies de peixes e muitas outras formas de vida marinha.
Porém os corais não são realmente auto-suficientes. Dentro de seus corpos eles abrigam algas altamente produtivas - outra forma de vida marinha - que pode fixar carbono, usando a energia do Sol para realizar fotossíntese e produzir açúcares. "Algumas das algas que vivem dentro dos corais são surpreendentemente produtivas e, em alguns casos, dão 95% dos açúcares que produzem para o coral usar como energia", diz Weis. "Em troca, as algas ganham nitrogênio, um nutriente limitado no oceano, se alimentando com os dejetos do coral. É uma relação simbiótica precisamente desenvolvida".
Entretanto, os cientistas estão aprendendo que esse relacionamento também é baseado em um delicado processo de comunicação das algas para os corais, dizendo que as algas "pertencem" ao local e que "tudo vai bem". Se não fosse assim, os corais tratariam as algas como parasitas ou invasoras e tentariam matá-las.
"Agora acreditamos que o que está acontecendo quando a água se aquece ou alguma outra coisa estressa o coral, é que a comunicação das algas para os corais se rompe e a mensagem de tudo-está-bem não consegue passar", explica Weis. "As algas essencialmente saem de seu esconderijo e encaram uma resposta imunológica do coral". Weis diz que esse processo de comunicação interna não é diferente de alguns outros processos biológicos encontrados em pessoas e animais. Uma das revelações da pesquisa recente, diz ela, é a enorme complexidade da biologia do coral e sua similaridade à de outras formas de vida.
Um gene que controla o desenvolvimento do esqueleto nos seres humanos, por exemplo, é idêntico ao gene existente no coral que os ajuda a desenvolver um esqueleto externo - conservado em espécies diferentes pelos milhões de anos desde que os caminhos da evolução de ambos se separou, a partir de um ancestral comum. Ainda há muito o que aprender acerca desse processo, segundo os pesquisadores, e existem tremendas variações nele. Existem 1.000 espécies de corais e talvez milhares de espécies de algas, todos se misturando e se combinando em uma dança simbiótica.
Essa variação, ao menos, traz alguma esperança - assim esperam os cientistas - de que se encontrará novas combinações que possam se adaptar melhor às condições mutantes das temperaturas e acidez dos oceanos, e outras ameaças. Algumas estimativas sugerem que 20% dos recifes de coral do mundo já estejam mortos e outros 24%, ameaçados.
A acidificação dos oceanos prevista para o próxmo século deve diminuir a calcificação do coral em até 50% e promover a dissolução dos esqueletos do coral - observam os pesquisadores. "Talvez haja alguma coisa que possamos fazer para ajudar a identificar e proteger as espécies de coral que possam sobreviver em condições diferentes", argumenta Weis. "Talvez não tenhamos que somente ficar assistindo os recifes de coral do mundo desaparecerem".
(National Science Foundation / Chi vó, non pó, com tradução de João Carlos, 28/05/2009)