Poderia salvar as florestas tropicais, diminuir as mudanças climáticas e a comunidade internacional apóia. Mas o plano para pagar os países tropicais para não cortar as árvores corre o risco de ser desacreditado antes mesmo de começar.
Um mercado florestal de carbono está emergindo em antecipação ao fechamento de um acordo climático global da ONU, que deve acontecer em Copenhague no final do ano. As expectativas são que o acordo permita que os países ricos paguem para proteger as florestas tropicais, servindo como alternativa barata para cortar as suas próprias emissões de gases do efeito estufa. Oficiais de Papua Nova Guiné (PNG) deram para a Reuters um panorama de como as coisas podem ser destorcidas.
A Reuters descobriu evidências de uma proposta de auxílio envolvendo milhões de dólares vindos de brokers do mercado de carbono para uma agência governamental de PNG, e de uma confusão sobre se a venda das compensações era de projetos válidos. Há um crescente interesse de países e empresas nos países desenvolvidos em comprar os direitos ao carbono estocado nas árvores durante o processo de crescimento para compensar suas próprias emissões de dióxido de carbono.
Mas grupos ambientalistas têm alertado há tempos que a repentina precificação das florestas tropicais poderia desencadear conflitos em alguns países em desenvolvimento devido às incertezas em relação aos direitos de propriedade, corrupção e políticas inadequadas. Durante uma conferência na ilha de Bali, Indonésia, na semama passada, o oficial da Interpol Peter Younger disse à Reuters que há riscos de transações fraudulentas de créditos de carbono com a infiltração do crime organizado no sistema de empresas e países do mundo desenvolvido comprando direitos de estocagem do carbono.
No mês passado a Indonésia se tornou o primeiro país a estabelecer alguma forma de regulação para o funcionamento do esquema, mas ressaltou que ainda não havia desenvolvido um modelo para a questão mais sensível, a arrecadação de renda. Papua Nova Guiné, que tem uma das maiores taxas mundiais de desmatamento e sendo pioneira no mercado florestal de carbono, estabeleceu o seu escritório de mudanças climáticas e sustentabilidade ambiental (Office of Climate Change and Environmental Sustainability - OCCES) em 2008 para desenvolver projetos de proteção florestal.
Em janeiro a agência suspendeu todos os planos de venda das compensações após um episódio em que alguns acordos desencadearam disputas sobre o direito de propriedade, disse um oficial à Reuters. “Todos os projetos estão suspensos até que tenhamos experiência”, disse o diretor executivo do OCCES Theo Yasause. Um destes projetos incluía uma proposta do próprio departamento de oferecer direitos exclusivos para uma grande área de floresta tropical para dois brokers, que em troca doariam A$ 10 milhões (US$ 8 milhões) para o fundo de criação da agência. Os brokers desenvolvem projetos para proprietários de terra para a venda do carbono estocado nas florestas em troca de uma parte destes direitos.
Assistência
Em documentos do governo, datados de 12 de junho de 2008, vistos pela Reuters e assinados por Yasause, dois brokers ofereceram ajuda para o fundo do OCCES. No menorandum as empresas estavam denominadas por EarthSky e Climate Assist PNG, mas não puderam ser localizadas para comentários. “Este memorandum foi em junho, em janeiro tudo estava parado”, disse Yasause. “Eu disse não, vamos primeiramente estabelecer uma política”.
Neste documento Yasause pediu ao Primeiro Ministro Michael Somare para assinar um certificado que permitia que os brokers vendessem as compensações florestais avaliadas em US$ 500 milhões. “Os dois brokers se prepararam para investir A$ 10 milhões para ajudar no estabelecimento do escritório de mudanças climáticas”, escreveu Yasause no memorandum de junho de 2008. O OCCES também ganharia 20% de qualquer lucro com a venda do carbono.
Quando o OCCES foi criado, o Primeiro Ministro Somare disse que o escritório deveria ser auto-suficiente através de fundos gerados com os projetos florestais. Quando questionado por que ele acreditava que a sua agência deveria receber uma quantia tão grande, Yasause disse: “Inicialmente pensamos que deveríamos ficar com uma parte. Não deveria ser uma política. Quando eu comecei, pensei que poderia vir como uma taxa governamental. Foi apenas uma proposta. Nada foi em frente”.
Desorganização
PNG está atualmente desenvolvendo uma política de ‘licitação aberta’ para a venda dos direitos de estocagem do carbono nas florestas tropicais, disse Yasause. Isto se aplicaria inicialmente a um projeto, chamado April Salome, quando a política estava ativa. “Nesta etapa suspendemos todas as comunicações e acordos com os brokers. Eu coloquei um aviso dizendo ‘a partir de janeiro não há mais acordo”.
Entretanto, outro broker e consultor do projeto, a empresa suíça South Pole Carbon Asset Management, alegou que tinha direitos de venda dos créditos de carbono de uma determinada fatia do projeto April Salome, e que continuaria a vender. “Temos todos tipos de cartas de apoio do governo, aprovação e tudo mais, incluindo cartas posteriores a janeiro”, disse Christian Dannecker da South Pole, que também se referiu a uma autorização por escrito para o projeto de 160 grupos de proprietários da região.
A South Pole já está vendendo os direitos de carbono antes do projeto ser aprovado por uma terceira parte, chamada validadora, uma prática comum nos mercados de carbono. O período até a aprovação era incerto dado que o projeto estava “em uma fase inicial”, disse Dannecker. A empresa estima que o April Salome gerará 1 milhão de toneladas de emissões evitadas por ano, mas isto não foi formalmente auditado. “Ainda estamos juntando as informações”, disse Dannecker. “Não está pronto, apenas as estimativas”.
Um dos compradores dos créditos da South Pole foi um grupo ambientalista espanhol que promove projetos ecológicos, chamado CeroCO2, que em troca vendia compensações para indivíduos, pequenas empresas e até mesmo um evento em Zaragoza. A empresa vendeu 660 toneladas por cerca de € 10 cada. Os compradores pagaram adiantado, mas o grupo substituiria os créditos se o projeto não fosse aprovado, disse a porta-voz do grupo. O CeroCO2 disse aos seus clientes que o projeto estava em estágio inicial e que as compensações de carbono ainda era hipotéticas, adicionou ela.
O web site do CeroCO2 dizia que as compensações cumpriam um padrão norte-americano chamado Climate, Community & Biodiversity Alliance (CCBA), mas não é verdade. “Não recebemos nenhum documento sobre este projeto”, disse a diretora do CCBA Joanna Durbin. “Foi um erro em nosso site”, disse a porta-voz da CeroCO2. “Somos humanos”. A organização removeu o projeto do seu site após falar com a Reuters.
“Tudo isto serve para demonstrar a terrível bagunça que segue quando não há nem um nível básico de governança nos países onde os créditos florestais supostamente estão sendo gerados, nem qualquer regulação nos mercados internacionais onde estão sendo negociados”, comentou o diretor da Rainforest Foundation do Reino Unido Simon Counsell. Counsell pediu uma adoção muito mais lenta das regras para o carbono florestal, ao invés de apressá-las a tempo para as negociações de dezembro.
Elegível
Os países industrializados já pagam os países em desenvolvimento para evitar as emissões de gases do efeito estufa, por exemplo, ao financiar fazendas eólicas e hidroelétricas ou a melhoria da eficiência das fábricas, em transações de compensações de carbono que chegam a US$ 6,5 bilhões. Eles enxergam estas compensações como um corte de custos para alcançar os limites sobre as emissões impostos pelo Protocolo de Quioto, ao invés de tomar medidas mais caras domesticamente, por exemplo ao impor taxas sobre as industrias ou residências.
Os pagamentos pela conservação florestal não são elegíveis sob Quioto, mas existem pressões enormes para ampliar este esquema e passar a incluir as florestas tropicais sob um novo pacto que será negociado em Copenhague. PNG ajudou na fundação da Coalização das Nações Florestais em conjunto com outros 40 países com o objetivo de apoiar o sistema de Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD) sob o novo tratado. Grande parte das florestas tropicais de PNG é de propriedade das comunidades e grupos tradicionais, mas o governo ainda delega concessões, disse Andy White da Rights and Resources Initiative, sediada em Washington.
O chefe do escritório de mudanças climáticas, Yasause, apresentou papéis em um tribunal de PNG na segunda-feira confirmando que tinha suspendido um acordo, que originalmente ele tinha aprovado, envolvendo outro fundo de carbono. Isto aconteceu após reclamações de proprietários que não haviam sido consultados sobre a venda das compensações em uma área florestal chamada Kamula Doso. “Não vou trabalhar com eles até esclarecer esta disputa de propriedade, não podemos fazer REDD nestes locais se há discussões entre proprietários, isto acabará com o esquema”, disse Yasause à Reuters.
(Gerard Wynn e Sunanda Creagh, Reuters / CarbonoBrasil, 05/06/2009)