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angra 3 energia nuclear no brasil acidente nuclear
2009-06-05

Vai-se de espanto em espanto. Não há descrição mais apropriada para a sensação de quem observe hoje a evolução do panorama energético brasileiro, principalmente com a retomada das obras da usina nuclear Angra 3.

Pode-se começar com o noticiário da semana passada, quando o ministro do Meio Ambiente, ao descrever para os jornalistas suas queixas ao presidente da República - por causa das brigas com outros ministros -, disse: "Licenciei Angra 3 sem concordar" (Estado, 31/5). A afirmação autorizaria o leitor a perguntar a ele, que durante toda a carreira política se bateu contra a usina: e por que aceitou, abandonando a coerência, se não concordava com o licenciamento? Em troca do cargo?

E mais difícil de explicar ainda ficou, porque dois dias antes dessa declaração se anunciara um vazamento radiativo em Angra 2, atribuído a "um funcionário da limpeza de equipamentos na sala de descontaminação", que "esqueceu a porta aberta e houve circulação de material radiativo", com a contaminação de quatro pessoas. É esse o nível de segurança numa usina nuclear, que depende de "um funcionário da limpeza de equipamentos" não esquecer aberta uma porta? E por que a Defesa Civil só foi avisada três dias depois - omitindo a contaminação de quatro pessoas (queixa do prefeito de Angra dos Reis) - e a imprensa, 11 dias após?

Nada disso está impedindo que se vá em frente com o projeto de implantar no País de seis a oito usinas nucleares até 2030, embora continuem irrefutados os argumentos de que a energia nuclear é mais insegura do que qualquer outro formato de geração, mais cara e sem destinação para o lixo altamente radiativo que gera e que assim permanece durante séculos.

Começando pelo fim, o Ibama, ao conceder a licença para Angra 3, estabeleceu 44 exigências, entre elas a de uma "solução definitiva" para o depósito de lixo, na expressão do ministro. Mas essa exigência foi sendo abrandada e agora já se fala em colocar o lixo em ampolas de aço inoxidável, num "pombal de concreto", isolado do solo. Segundo o presidente do Ibama, o que se pede agora é uma solução "de longo prazo" e só em cinco anos se saberá exatamente como ficará (Agência Estado, 4/3). Não surpreende, já que até hoje nenhum país conseguiu ter uma "solução definitiva" para o lixo radiativo. Como já foi mencionado aqui, a maior esperança - o projeto do depósito norte-americano, 300 metros abaixo do nível do solo, sob a Serra Nevada - já custou US$ 92 bilhões (o custo inicial previsto era de US$ 58 bilhões) e continua às voltas com questionamentos de hidrólogos, geólogos, sismólogos e da Justiça dos EUA. Sem falar numa interrogação igualmente sem resposta: como se fará para transportar com segurança para um único local os resíduos acumulados durante décadas em mais de cem usinas espalhadas pelo país?

Na questão da segurança, vale a pena citar o cientista Peter Bradford, ex-membro da Comissão Regulatória Nuclear dos EUA, hoje diretor da Union of Concerned Scientists: "Entre as lições de Three Mile Island (usina onde houve grave vazamento de radiação) está a de que a energia nuclear é a menos segura quando há complacência e quando as pressões para o licenciamento são fortes" (New Scientist, 4/4). Também pode ser mencionado o relatório do nosso Tribunal de Contas da União (O Globo, 11/4), segundo o qual 54% das instalações radiativas em hospitais e fábricas no Brasil não são controladas, funcionam de forma irregular, sem autorização para operar e com a população desinformada.

Quanto ao custo de geração na energia nuclear, é preciso lembrar estudo publicado pelos professores Joaquim Francisco de Carvalho e Ildo Sauer, da USP, que o situam em US$ 113,66 por megawatt/hora, pouco inferior ao do carvão mineral (US$ 134), porém muito acima do custo de geração numa hidrelétrica como a do Rio Madeira (US$ 46), ou do etanol do bagaço de cana (US$ 46), ou do gás natural (US$ 79). E isso leva a estranhar também a opção pelas termoelétricas a carvão ou a gás, que tem sido feita nos últimos leilões de energia nova.

Provavelmente os defensores da energia nuclear argumentem que já há 459 usinas em operação no mundo, que a Itália e a França (esta já depende em 75% desse formato) vão seguir nesse caminho, assim como a Índia. Que os EUA têm 104 usinas (20% da energia total), que há 45 novas geradoras em construção no mundo e que mesmo a Suécia parece propensa a deixar de lado o banimento das nucleares (Alemanha e Dinamarca vão mantê-lo). Mas a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) lembra que tudo isso não cumprirá o papel que se imagina para as nucleares, já que seriam necessárias pelo menos 12 por ano até 2030 e 54 por ano nas duas décadas seguintes. Ainda mais que o custo das usinas está aumentando muito, assim como os custos de manutenção e de matéria-prima, além do custo da desativação (que pode chegar a US$ 1,8 bilhão). Mesmo nos EUA, por várias razões, o presidente Barack Obama tem optado pelo estímulo a outros formatos de geração. E a Finlândia, que implanta o mais poderoso reator, está enfrentando dificuldades crescentes para manter o projeto.

Nada disso impede nosso Ministério de Minas e Energia de continuar planejando novas usinas nucleares, até que supram 5% da demanda nacional de energia. Que invista mais R$ 7,3 bilhões em Angra 3 (já se gastaram ali R$ 700 milhões), dando sequência a uma licitação de 1983, que vem sendo questionada pelo próprio setor das construtoras, inclusive com o argumento de que já há tecnologias capazes de reduzir o custo.

Talvez não haja outro setor da administração pública em que seja tão evidente - como se tem insistido neste espaço - a necessidade de uma discussão aberta e franca com a comunidade científica para que se escolha o melhor caminho. Ainda mais que na acalorada polêmica se juntam energia e meio ambiente.

(Por Washington Novaes, OESP, 05/06/2009)
Washington Novaes é jornalista
E-mail: wlrnovaes@uol.com.br


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