“As finanças e a tecnologia não bastam para enfrentar a crise. Há que construir um novo modelo econômico”. O apelo vem de Nicolas Hulot, autor da frase do título, que lançou as sementes da revolução verde francesa, a qual Al Gore deseja agora ver nascer como projeto mundial. Nicolas Hulot, um repórter, ecologista e escritor francês de 54 anos, tornou-se muito popular em seu país graças ao sucesso de seu programa televisivo Ushuaia, pelo qual busca sensibilizar o público em geral para as questões ecológicas. O programa deu mesmo origem, em 1990, à Fundação Ushuaia, que cinco anos depois assumiria o nome de Fundação Nicolas Hulot – pela Natureza e pelo Homem.
No percurso de mais de vinte anos de sensibilização para a causa ecológica, somam-se, ainda, sua candidatura à presidência da república francesa, em 2007, a autoria de 17 livros e a produção de um filme com lançamento previsto para 2009. A popularidade das suas intervenções chega, inclusive, a traduzir-se na lotação esgotada do Zénith, uma das maiores salas de espetáculos da França, e nas 700 mil assinaturas que reuniu com o lançamento do seu Pacte Écologique, que convida os franceses a subscrever um pacto para salvaguardar o futuro do planeta. Uma das assinaturas é a do atual presidente francês, Nicolas Sarkozy, que, assim, assume um compromisso público com a causa ecológica.
Renovar o sistema econômico internacional como resposta aos desafios sociais, econômicos e ambientais é a sugestão de Hulot, face ao tenso cenário atual. Bastante influente na França e a segunda personalidade mais admirada no país, o ecologista tem até mesmo apresentado ao presidente Sarkozy propostas para as reuniões de cúpula do G20. Para isso, conta com o Comitê de Vigia Ecológica da fundação que leva o seu nome, constituído por diversos especialistas, de economistas a biólogos. No eixo da discussão, dois pontos-chave: substituir as taxas sobre o trabalho por taxas sobre o consumo de produtos e de serviços da natureza. Uma solução que poderá gerar mais empregos e aliviar a economia da atual depressão.
Green New Deal: a vacina para a crise?
O bombardeamento diário de notícias de demissões em massa deixa clara a mensagem de que esses destroços são – e continuarão a ser – parte do cenário da crise econômica. Entretanto, multiplicam-se as iniciativas “reativas”, nacionais e internacionais, comprometidas em encontrar o “tratamento” para o debilitado sistema imunitário da economia. Recentemente foi a vez de mais de cem ministros da área ambiental considerarem o meio ambiente como parte da solução para a crise, ao apoiar o pedido do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) em favor de uma transição para a denominada economia verde, ou Green New Deal, que inclui as energias renováveis, edifícios projetados para terem o menor impacto ambiental possível e transportes mais eficientes e limpos.
Também nessa linha, conforme relembra o grupo de experts da Fundação Nicolas Hulot, “não é o trabalho que temos de poupar, mas sim a natureza (energia, conjunto de recursos vivos, recursos minerais, o ar, a água e os solos)”. A criação de um grupo de trabalho internacional composto por economistas a fim de avaliar a viabilidade das condições para colocar em prática a mudança das regulações sobre o capital natural é, aliás, uma das propostas apresentadas por Nicolas Hulot. Já no plano francês, identifica-se como necessidade a aplicação da Contribuição Clima Energia (CCE), bem como as suas compensações (alocação do carbono e redução de encargos patronais). O objetivo das propostas é evitar, assim, uma exploração massiva do capital natural não-renovável.
A regulação do capital natural não é inimiga do emprego
Uma transferência da tributação do trabalho para a tributação sobre os recursos naturais resultaria – sem aumentar as taxas obrigatórias – no desenvolvimento do emprego. Esta é a sugestão do comitê de especialistas da Fundação Nicolas Hulot. Efetivamente, potencia uma relocalização massiva da economia, libertando, assim, o mercado de trabalho, dinamizando as filiais locais e limitando o dumping social e a deslocalização dos empregos. Contudo, embora diversos países tenham anunciado uma série de medidas a favor do investimento e das empresas, diante do atual contexto financeiro, esses especialistas consideram imperativo basear essa ação em princípios ecológicos e solidários. “Regulamentar a exploração da natureza é preservar a economia”, defendem, por acreditar que nenhum desenvolvimento é possível se pressupõe a diminuição do capital natural. “A economia não pode fracionar indefinidamente o ramo sobre o qual está apoiada”, afirma o escritor e ecologista francês, que propõe um plano de mobilização para o investimento a serviço de um crescimento seletivo.
Menos CO2, mais empregos
Acreditando que o que é válido na França também o é no mundo inteiro, Nicolas Hulot deixa a seguinte mensagem aos céticos, obcecados pela crise econômica: “Se queremos que a sociedade mude – e, na França, começa a mudar –, temos de criar apetência para a mudança, convencer que ela é necessária, obrigatória, e que traz em si um futuro melhor do que se nada for feito”. Se, por um lado, o ecologista reconhece que o projeto Grenelle é um bom começo, também admite que a evolução permanece lenta e desproporcional: “É dez vezes –mais lenta quando comparada com os nossos esforços face aos fenômenos naturais. Demoramos demasiado tempo. A Conferência de Copenhague será o momento de verdade.”
Na expectativa de reavaliar o conceito de crescimento, Hulot relembra que “reparar o atual sistema não é suficiente”. Como parte da solução e da mudança, impõem-se “novas tecnologias e uma economia que transfira novos empregos”, declara. Uma visão que é apoiada pelas conclusões do mais recente estudo da World Wild Fund (WWF) na França: a redução de 30% nas emissões de CO2 em relação a 1990 induz a criação de 684 mil empregos na França. As soluções para a crise ecológica poderão, por isso, estar de mãos dadas com as das crises financeira e econômica, contra os países que privilegiam este contexto para contestar as ambições europeias no combate às alterações climáticas.
A síndrome do Titanic
“A especulação está na origem da atual crise econômica e financeira”, constata Hulot, que sublinha a recente descoberta da vulnerabilidade dos sistemas. “Há, por isso, que encontrar novos critérios, novos indicadores (índice de qualidade de vida, por exemplo, adicional ao PIB). Um novo modelo deve ’passar‘, tanto em economia como em ecologia, pela regulação estrita da partilha, evitando a especulação”. O ex-candidato à presidência francesa chega mesmo a referir que “quando comparada com a crise ecológica vigente, anunciada pelo esgotamento dos recursos naturais, a crise econômica permanece um acidente de percurso”. E prevê, mesmo, a inevitabilidade do naufrágio da economia mundial – “quer se trate de economias do Norte ou do Sul”. Perplexo perante a ausência de vontade política, não deixa de destacar que para viabilizar uma mudança completa bastariam, no mínimo, 10% das tão badaladas verbas aplicadas recentemente para salvar instituições bancárias.
O mundo não está em expansão
“É um paradoxo: sabemos o que vai acontecer, mas não acreditamos. A verdade é que não há economia sem recursos naturais", prossegue Hulot. "A cultura vigente revela ângulos mortos, de tão obcecada que está pelo crescimento. É um princípio físico, e não ecológico. É preciso encontrar o equilíbrio entre o que podemos dar e o que podemos pedir. O desequilíbrio foi ultrapassado... O homem esvaziou os recursos em alguns decênios. Há que fazer o desmame, mudar de paradigma: limitar a oferta, numa demonstração de liberdade e não de adição. O que pressupõe, naturalmente, algumas proibições, normas e regulamentos. A não ser que esperemos para assistir à penúria, a regulação vai ser uma realidade, para o bem ou para o mal. Será levada a cabo abruptamente, quer se trate do petróleo, da pesca, da água potável ou dos metais… A opção – única – é reduzir o fluxo de matérias e de energia. É, por isso, curioso ver as pessoas (ou países) pensar que há outra escolha. Não há.”
Projeto Grenelle: caminho para a revolução verde
Trata-se de uma iniciativa pioneira de consulta pública (que durou três meses), na França, envolvendo o lobby verde (incluindo a sociedade civil, representada por ONGs), agricultores e líderes empresariais. Consiste num conjunto de propostas lançado pelo presidente Nicolas Sarkozy que inclui desde a eliminação de desperdício energético das habitações até a redução para a metade do pesado efeito da utilização de pesticidas no país. O incentivo ao uso de automóveis menos poluentes ou a imposição de uma refeição mensal à base de produtos biológicos nas escolas foram algumas das medidas adotadas na entrada da França na Era Verde.
Nicolas Hulot é considerado o “padrinho espiritual do projeto Grenelle”, inédito em termos de número de medidas (acima de 250), de objetivos e de meios, comparativamente a todas as medidas ambientais precedentes. O Greenpeace considera que o presidente francês deu um “passo de gigante” e Al Gore, que assistiu à apresentação do Grenelle, declarou que a sua vontade seria de “ver nascer um Grenelle mundial.”
Algumas medidas do projeto:
- Compromisso de dividir por quatro as emissões de CO2 entre 1990 e 2050; - Redução de consumo de energia pelas novas habitações para menos de 50 kWh por m²/ano, a partir de 2012;
- Construção de 2.000 km de linhas de TGV até 2020;
- Lançamento de uma taxa para pesados em 2011;
- Atingir 23 % das energias renováveis no consumo de energia final até 2020;
- Retirar lâmpadas incandescentes do mercado até 2010;
- Duplicar o crédito de impostos a favor da agricultura biológica a partir 2009.
(Por Sandrine Lage*, Instituto Ethos / Envolverde, 04/06/2009)
* Sandrine Lage, jornalista portuguesa com formação em sustentabilidade, é palestrante da Conferência Internacional Ethos 2009 (de 15 a 18 de junho, em São Paulo), durante a qual lançará seu livro O Poder de (In)Formar.