O Protocolo de Kyoto tem um saldo positivo. Poderia ter sido melhor, na visão de especialistas consultados pelo Valor. Mas o processo de tentativa de limpeza global é irreversível. O pontapé para a conscientização foi dado pela Eco-92, que aconteceu no Rio de Janeiro, e o prêmio Nobel Al Gore trouxe o aquecimento global para a pauta de discussões. "Há 37 projetos de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL) registrados nos EUA", diz Ricardo Sparta, diretor técnico da Ecoinvest Carbon Participações. Segundo ele, a principal dificuldade reside nos reguladores, tanto na Organização das Nações Unidas (ONU) quanto na brasileira Comissão Interministerial de Mudança Global, do Ministério de Ciência e Tecnologia. Sparta afirma que as empresas brasileiras têm se mostrado muito interessadas em conhecer o assunto, como produtores de energia, papel e celulose e metais. "Mas rateamos na regulamentação e na burocracia", afirma.
Segundo ele, Brasil, China e Índia não têm mais direito de poluir que os países desenvolvidos somente por nunca terem sido historicamente os maiores poluidores do planeta. Ele concorda que as nações em desenvolvimento precisam crescer e reduzir a pobreza, mas não à custa de uma abordagem superficial. "Todos os cidadãos do mundo têm direito a usufruir do planeta, sobretudo no que se refere à questão dos combustíveis." Ele lembra que, com a descoberta da camada pré-sal pela Petrobras, naturalmente os conflitos Norte-Sul se acirrarão.
O mercado de crédito de carbono é uma tentativa de se encontrar soluções via mercado, de acordo com Marcelo Hercowitz, economista de ecologia e presidente da consultoria Ecocient. "Kyoto foi um avanço, por estimular metas físicas, e não monetárias, de redução de poluentes", diz, ao se referir a toneladas de carbono. De acordo com ele, o problema é que nem todos os países foram signatários das metas e aqueles que se comprometeram têm uma visão míope e atrasada de desenvolvimento econômico.
"Brasil, China e Índia têm abordagens pouco ambiciosas para a inovação", avalia o economista. Não investem em novas tecnologias e perdem uma oportunidade conjuntural de avançar em direção a um novo modelo de desenvolvimento. Para Hercowitz, as relações entre a economia e o ecossistema não vão prosperar com uma visão meramente mercadológica. "O Estado tem de estar por trás do processo." Exemplo? Ele cita os projetos florestais, que realmente limpam o meio ambiente, que não decolaram. "Este é o problema de o mercado regular. Não se mexeu na estrutura da economia."
Com ele concorda Eduardo Petit, sócio-diretor da consultoria Max Ambiental. Há uma imensa dificuldade de aceitação dos projetos de florestas. Ele enfatiza que, no mundo todo, há apenas dois ou três projetos aprovados até agora. As empresas deveriam ter incentivos para investir na despoluição. Uma boa surpresa, no entanto, foi a proliferação de mercados voluntários. "Há vários novos standards internacionais, menos rigorosos que Kyoto, com aceitação total do mercado e a inclusão de uma grande gama de ativos", afirma.
Sobre a visão meramente empresarial do mercado de crédito de carbono, que em 2008 movimentou US$ 110 bilhões, Petit acredita em autorregulamentação, para não gerar desconforto em quem está investindo. "Tirando os aproveitadores, que existem em todo lugar, há o comprometimento de muitas empresas de reduzirem as emissões e profissionais muito bem preparados para auxiliá-las nesta empreitada." Ele defende políticas públicas mais amigáveis e compensações ambientais mais substantivas para o mercado crescer. Há concordância de muitos especialistas em relação aos conflitos gerados pelo Plano de Aceleração Econômica (PAC). "O PAC vai na contramão do meio ambiente", diz Hercowitz. Para ele, um exemplo emblemático é o rio Madeira, onde serão construídas as usinas de Santo Antônio e Jirau.
O futuro pós-Kyoto divide a opinião dos especialistas. Todos os países integrantes da ONU precisariam chegar a um acordo até o fim deste ano. As chances de isso acontecer, contudo, são escassas. Brasil, Índia e China têm como adversários os países ricos, sobretudo os EUA, e ainda é incerto se Barack Obama vai aderir a um novo protocolo, ainda que tenham sido muitas as promessas de campanha para a redução das emissões.
Sparta lembra que na ONU só são válidas decisões unânimes. E neste fórum só negociam governos, não sendo representada a sociedade civil organizada. As divergências são muitas e há pouca chance de um novo protocolo sair até dezembro. Essa posição está longe da unanimidade. Para Hercowitz, algo será definido, pois as pessoas estão convencidas de que as mudanças climáticas são gravíssimas. Petit vê o futuro com certa dose de otimismo. No entanto, ele pondera: "A crise continuará a mexer pesadamente com a capacidade de investimentos nesta área".
(Por Márcia Pinheiro, Valor Econômico, 05/06/2009)