Segundo maior bioma do país, superado apenas pela Floresta Amazônica, o Cerrado ocupa cerca de 20% do território brasileiro e abriga mais de 1.500 espécies de animais. É também berço de nascentes de rios como o São Francisco, Paraguai e Paraná. Mas os números expressivos não garantem posição de destaque quando o assunto é a preservação ambiental. Depois da Mata Atlântica, o Cerrado é o ecossistema brasileiro que mais alterações sofreu com a ocupação humana, segundo informações da organização não-governamental WWF Brasil. Estima-se que a partir da década de 1960, cerca de 50% do bioma tenha sido ocupado por atividades econômicas como a pecuária, o plantio de soja, algodão, milho e, mais recentemente, de cana-de-açúcar.
Previsões mais pessimistas chegam a apontar a possibilidade de desaparecimento do bioma. Estudo feito em 2004 pela organização não-governamental Conservação Internacional indica que, se não contabilizadas as áreas de Cerrado que estão protegidas, seja em parques ou estações ecológicas, o restante pode sumir ou se tornar inviável para a manutenção da biodiversidade em 2030. Frear esse quadro de devastação não é um desafio fácil se considerarmos que a conservação do Cerrado não tem o mesmo prestígio, o mesmo apelo que a preservação da Amazônia na agenda pública. Faltam maior interesse da opinião pública e políticas governamentais.
As mudanças climáticas
A atual situação do Cerrado é uma via de mão dupla quando o assunto é a alteração do clima. A devastação e o desmatamento no bioma respondem por um terço das emissões brasileiras geradas por conta da mudança do uso do solo. Além de contribuir para o efeito estufa, o bioma também é afetado pela mudança do clima. E, como em um círculo vicioso, as conseqüências reforçam as transformações no clima do planeta.
No caso do Cerrado, pesa o fato de grande parte da madeira fruto do desmatamento virar carvão para abastecer siderúrgicas, resultando na emissão de CO2. Pesquisas apontam que 80% do carvão vegetal consumido no Brasil vem das árvores do Cerrado. Há ainda enorme criação de gado criado nas pastagens abertas em regiões de Cerrado que durante o processo digestivo liberam gás metano, um dos causadores do efeito estufa.
Pesquisadores apontam o Cerrado como o principal bioma responsável pelos sumidouros de carbono. Porém, o aquecimento global pode significar uma mudança de configuração do bioma: cientistas prevêem a abertura da vegetação e a perda de espécies da fauna e da flora. Menos árvores, com a abertura vegetal prevista, e a substituição por gramíneas e herbáceas (que pouco contribuem para a retenção do gás carbônico), significa mais carbono e uma maior retenção de calor na atmosfera.
Carência de políticas públicas
Há tempos as atenções e pressões nacionais e internacionais em favor da preservação estão concentradas na Amazônia. Um exemplo é a declaração feita em novembro de 2007 pelo secretário-geral da Organização Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon. Ao encerrar a reunião do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês), na Espanha, Ban Ki-moon, reconheceu os esforços do governo brasileiro para preservar a Amazônia, mas afirmou que a floresta está sendo "sufocada".
O resultado dessa pressão se traduz em disparidades na formulação de políticas para os diferentes biomas. O foco das ações de conservação acaba se voltando para aquele que é o maior alvo de cobranças. Enquanto a Amazônia tem sistemas para monitorar o desmatamento há mais de dez anos, só em setembro de 2008 o Ministério do Meio Ambiente adotou um mecanismo semelhante para o Cerrado, o Sistema Integrado de Alerta de Desmatamento no Cerrado (Siad). Desenvolvido pela Universidade Federal de Goiás, com apoio de organizações não-governamentais, o Siad apontou que entre 2003 e 2007, possivelmente o desmatamento no bioma atingiu o equivalente a 16 cidades do tamanho do Rio de Janeiro.
O monitoramento e os dados obtidos são ferramentas importantes para que os pesquisadores possam projetar tendências futuras de desmatamento e elaborar estratégias de conservação adequadas e preventivas. Faltam também critérios definidos sobre quais áreas do Cerrado podem ser preservadas e quais podem ser exploradas economicamente. "Não existem políticas públicas para valorizar e proteger esse patrimônio”, afirma o gerente do programa Cerrado da organização não-governamental Conservação Internacional, Mário Barroso. E completa: "Parece que a vocação de toda a área do Cerrado é ser cortada e usada para produzir alguma commoditie".
Artigo escrito pelo agrônomo, professor universitário e pesquisador da Embrapa Itamar Pereira de Oliveira, lista como prioridades para a conservação do Cerrado "o fortalecimento das instituições públicas, das decisões no nível local, divisão de responsabilidades, estabelecimento da base legal para o uso da terra, cooperação internacional e nacional para proteção da biodiversidade e reconhecimento da capacidade da terra".
Preservação x emprego e renda
Reduzir o desmatamento do Cerrado não significa proibir a ocupação da região ou negar seu potencial agrícola. O bioma é responsável atualmente por 31% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e gera renda e empregos, apesar da extensa mecanização. O caminho é a conciliação entre duas atividades que a princípio costumam parecer paradoxais: a produção e a preservação. Produzir de acordo com regras claras e com manejo sustentável é iniciativa urgente que deve ser definida por políticas públicas. Mas a discussão sobre regulamentação do uso do Cerrado esbarra em interesses políticos e econômicos. Um exemplo é a derrota no controle do desmatamento sofrida por defensores do bioma em maio deste ano. O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, assinou uma portaria que permite a concessão de crédito oficial a produtores de 96 municípios localizados na área de transição entre os biomas Amazônia e Cerrado, onde ocorrem desmatamentos.
A portaria revoga outra assinada anteriormente pela então ministra Marina Silva, que determinava que órgãos públicos suspendessem a concessão de créditos agrícolas para produtores que desmatam também nos municípios de área de transição de biomas. A lista original, proposta por Marina Silva, vetava o crédito para 527 municípios. O texto assinado por Minc exclui desse total os 96 municípios mencionados. A decisão de Minc foi interpretada por ambientalistas como um ato do governo de ceder à pressão dos desmatadores e de grupos ligados ao governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, estado listado entre os grandes desmatadores e que terá cerca de 70% das propriedades produtoras beneficiadas pela medida.
Na ocasião, o ministro afirmou que não houve flexibilização, mas sim um detalhamento da lei. Segundo ele, a portaria deveria tratar apenas do bioma Amazônia e, por isso, exclui as áreas de Cerrado e de faixas de transição. Posteriormente, ele disse que pretende propor que a restrição de crédito atinja outros biomas como o Cerrado, Pantanal e Mata Atlântica. O episódio mostrou a força dos ruralistas e a influência de questões econômicas no controle do desmatamento no país.
Pela preservação do Cerrado
A Constituição de 1988 classifica como patrimônio nacional a Amazônia, a Mata Atlântica, o Pantanal, a Serra do Mar e a Zona Costeira. Em 1995 foi apresentada uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC 115) para que o Cerrado e a Caatinga também sejam considerados patrimônio nacional. Essa definição torna mais fácil a adoção de regras claras sobre o uso, exploração e a conservação do ecossistema.
Após treze anos de tramitação, os ambientalistas ainda lutam pela aprovação da proposta. Em declaração à imprensa no dia 11 de setembro de 2008, data em que se comemora Dia do Cerrado, o deputado federal Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), que tem defendido a aprovação da PEC, afirmou que "o que pega ainda são as resistências localizadas de algumas bancadas e de ruralistas". No mesmo dia, o deputado Valdir Colatto (PMDB-SC), disse, em entrevista a Agência Câmara, que teme que a aprovação da PEC gere restrições à agropecuária e defendeu um estudo mais aprofundado sobre o tema.
Foi no ano de 2003 que se comemorou primeira vez o Dia do Cerrado, na data de nascimento do ator e diretor de teatro Ary Párarraios, cuja trupe O Esquadrão da Vida segue fazendo – mesmo depois de sua morte – performances de rua em defesa da proteção da fauna e flora. Desde então a data é marcada por manifestações em prol da preservação do Cerrado e pela expectativa de que no ano seguinte a data se repita já com o bioma ocupando o status de patrimônio nacional.
O clima na imprensa
Cerca de 1,5% dos textos sobre as alterações climáticas publicados em 50 jornais brasileiros, entre 2005 e 2007, mencionou o cerrado.
Fonte: Pesquisa Mudanças Climáticas na Imprensa Brasileira, ANDI e Embaixada Britânica
(Mudanças Climáticas / Fórum Carajás, 02/06/2009)