Parte dos 45 empregados do Engenho Amoroso, em Amaraji (PE), estava no local há mais de 30 anos, sem registro nem salário mínimo. As casas onde moravam com suas famílias não tinham instalações sanitárias ou elétricas
Por trás do singelo e cordial nome, o Engenho Amoroso, em Amaraji (PE), a 150 km de Recife, escondia uma barbaridade que já perdurava por algumas décadas. Sob condições desumanas, sem registro e desprovidas de salário mínimo, 45 pessoas foram libertadas de trabalho análogo à escravidão pelo Grupo Móvel de Fiscalização e Combate ao Trabalho Escravo do governo federal. Alguns dos trabalhadores viviam nessas condições há 32 anos.
Os trabalhadores do Engenho Amoroso, administrado por João Gouveia Filho e Jandelson Gouveia da Silva, eram responsáveis pelo cultivo de banana (adubar, plantar e colher). Os empregadores não forneciam nenhum equipamento de proteção individual (EPI). A fiscalização flagrou empregados aplicando esterco descalços e na chuva. Aqueles que quisessem trabalhar com botas de borracha tinham que comprar por conta própria.
Entre os empregados encontrados no local, 30 prestavam serviços há mais tempo (entre 20 e 32 anos) e moravam com suas famílias. As moradias foram interditadas porque não tinham instalações sanitárias e elétricas. Havia rachaduras nas paredes e buracos nos tetos. A água chegava até as casas por um cano improvisado. O banho era tomado em riacho próximo.
"As famílias só dispunham de fogão a lenha, instalado dentro das casas. Porém não havia ventilação necessária. As paredes estavam bem escuras por conta da utilização do fogão", relata Luize Surkamp Neves, auditora fiscal que coordenou a ação. Os outros 15 libertados que moravam próximos do Engenho Amoroso trabalhavam há menos tempo no local (alguns há apenas 15 dias).
O pagamento era feito por produção, mas os trabalhadores jamais receberam um salário mínimo mensal. "Atualmente os proprietários reduziram os dias de trabalho para dois ou três por semana", conta Luize. Não havia registros e o único controle de trabalho era feito em uma caderneta, onde constavam a produção diária e o valor semanal a ser pago para cada empregado.
Operação inédita
A operação inédita do Grupo Móvel - que normalmente reúne auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT) e agentes da Polícia Federal (PF) - contou com a participação adicional da Advocacia-Geral da União (AGU), da Receita Federal, da Defensoria Pública da União (DPU) e do Ministério Público Federal (MPF).
O MTE pretende repetir a parceria com outros órgãos federais para garantir os direitos dos trabalhadores em todos os âmbitos, afirma Luize Surkamp Neves. "Precisamos repetir esta iniciativa", completa.
A participação do MPF possibilitou a coleta de provas de forma mais apurada, visando à condenação na esfera criminal, de acordo com a coordenadora da operação. Os proprietários assinaram um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), proposto pelo MPT e a AGU, em que assumiram compromisso de garantir os pagamentos das verbas da rescisão dos empregados, além do pagamento das férias atrasadas, 13º salário e outros direitos.
"A Defensoria Pública da União irá viabilizar o reconhecimento e a contabilização deste tempo de serviço junto à Previdência Social para que eles não percam nenhum direito", explica Morse Sarmento, do MPT da 6ª Região. O MPT moverá ação civil pública por dano moral coletivo, segundo Morse.
Os administradores se comprometeram a consertar as casas e, enquanto isso, estão arcando com o pagamento de hospedagem e alimentação dos trabalhadores. "Os empregados podem voltar a morar no engenho depois da adequação das casas", explica a auditora fiscal Luize. A ação teve início em 13 de maio - dia marcado pela assinatura da Lei Áurea, há 121 anos - e terminou na última quarta-feira (27/06). Foram lavrados 27 autos de infração e o valor total das verbas rescisórias chegou a R$ 370 mil.
(Por Bianca Pyl, Repórter Brasil, 02/06/2009)