A um mês do próximo encontro entre os presidentes de Brasil e Paraguai para discutir as negociações de Itaipu, o ministro das Relações Exteriores do Paraguai, Héctor Lacognata, está confiante que os temas mais polêmicos nas negociações envolvendo a Usina de Itaipu possam avançar. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve viajar se encontrar com Fernando Lugo no Paraguai no início do mês de julho.
O Paraguai defende a revisão das compensações financeiras pagas pelo Brasil pela cessão de energia, corrigindo distorções históricas. Mas o aspecto mais polêmico do acordo está na possibilidade de o país vender sua energia excedente no mercado brasileiro. Os integrantes do governo paraguaio sustentam que tal medida não constitui modificação no Tratado de Itaipu, tampouco necessitaria de aprovação pelo Congresso brasileiro.
Na entrevista concedida ao Brasil de Fato, o chanceler paraguaio confirma que um dos motivos que levaram o Paraguai a não assinar nenhum acordo com o Brasil, no encontro de maio entre os presidentes em Brasília, foi um desacordo em relação às “prioridades” estabelecidas pela diplomacia brasileira. “É importante que o Brasil compreenda que hoje tem interlocutores diferentes”, afirmou Lacognata. Confiram...
Brasil de Fato - Existem diferentes versões sobre a possibilidade de acordo entre Brasil e Paraguai, principalmente no que diz respeito à venda de energia paraguaia no mercado brasileiro. O diretor de Itaipu, Jorge Samek, afirmou ao jornal paraguaio Última Hora que havia essa possibilidade, mas em recente evento na Fiesp com o diretor do lado paraguaio, Carlos Mateo Balmelli, ficaram expostas algumas divergências. Ao mesmo tempo, o assessor da presidência brasileira, Marco Aurélio Garcia, disse que a questão é muito mais política e acenou com a possibilidade de negociações. Quais são de fato as possibilidades de acordo?
Héctor Lacognata - O tema de Itaipu é muito sensível, tanto para Brasil quanto para Paraguai. E, logicamente, ao ser um tema tão sensível aos interesses nacionais, aparecem múltiplos setores, com múltiplas individualidades, com visões e versões diferentes sobre o tema. No entanto, é muito importante que, mais além de todo o ruído que haja em relação às negociações, tenhamos em conta as resoluções que se tomaram no último encontro entre os presidentes Lugo e Lula em Brasília. Lá, ficou estabelecido que a definição do tema de Itaipu é fundamentalmente política. Isto foi textualmente o que expressou o presidente Lula. Por outro lado, ficaram habilitados como porta-vozes oficiais de Brasil e Paraguai seus presidentes e seus chanceleres. De tal maneira, tudo que se possa suscitar ao redor tem nada mais que o valor ou a categoria de uma opinião pessoal, mas não de uma proposta oficial. Por isso, quando surgem comentários a respeito, o tomamos desde esta perspectiva e seguimos aguardando a proposta oficial que vai trazer o presidente Lula no próximo encontro.
Mas quais são as expectativas do Paraguai, principalmente em relação às reivindicações por aumento da compensação paga pelo Brasil e pelo direito de vender energia no mercado brasileiro?
Lacognata - O Paraguai havia apresentado uma agenda de seis pontos ao Brasil, que foi aceita pelo Brasil e hoje é o eixo central das negociações. Avançou-se muito em quatro destes pontos, principalmente no que diz respeito à transparência, à co-gestão e à terminação das obras complementares. O ponto central, mais árido e mais difícil de negociar, é sobre a livre disponibilidade de energia para o Paraguai. Porém, nós, e sobretudo eu como chanceler, estamos muito otimistas em relação à proposta que possa trazer o presidente Lula, de aproximá-la em relação à reivindicação paraguaia. Quiçá, poderia dar-se na perspectiva de uma disponibilidade gradual da energia. Possivelmente, nos próximos anos poderia ser uma disponibilidade para venda ao Brasil e, mais adiante, a terceiros países. Eu tenho entendido que, dentro do Brasil mesmo, há visões diferentes em relação a esta negociação. E eu entendo que o presidente Lula encabeça uma corrente de opinião que está aberta à possibilidade de uma negociação favorável às expectativas do Paraguai. Por isso nós cremos que o próximo encontro entre os presidentes vai ser, se não definitivo, pelo menos vai marcar o rumo certo que o Brasil vai tomar em relação à proposta paraguaia.
Mas o senhor sabe que no Brasil é forte o discurso que a venda de energia paraguaia no mercado brasileiro constituiria uma violação do Tratado de Itaipu. Que saída o Paraguai vê para este impasse?
Lacognata - Nós discordamos desta visão. Há que ter em conta que o Paraguai não defende, neste momento, a renegociação do Tratado, se não a interpretação cabal do Tratado, e não a interpretação abusiva do Tratado. Nós acreditamos que a reivindicação paraguaia, mais além de um conteúdo ético, de justiça e de legalidade suficiente para ser reconhecida, suscita opiniões diferentes. Haverá posições mais favoráveis às reivindicações paraguaias e outras menos favoráveis. Mas volto a reiterar que, além da justeza de nossas reivindicações, está o fato de o presidente Lula já ter manifestado que a decisão do tema de Itaipu é política, e não técnica ou econômica.
O último encontro entre os presidentes terminou sem acordo. Sabemos, por exemplo, que o Brasil tentou condicionar as negociações de Itaipu com o apoio paraguaio à entrada do Brasil no Conselho de Segurança da ONU. Também houve o fato de o governo brasileiro ter enviado uma proposta de declaração conjunta às vésperas do encontro. Houve uma espécie de rechaço do governo paraguaio a uma atitude autoritária por parte do Brasil?
Lacognata - Há que entender que o Paraguai está vivendo uma nova etapa de sua história. Significa mudanças e reposicionamentos na política interna e na política externa. Temos a decisão de recuperar a dignidade e a credibilidade do Paraguai no mundo. Nas últimas décadas, infelizmente, nossa política exterior foi complacente, não somente com o Brasil, mas com propostas e interesses alheios ao país, muitas vezes em detrimento ao interesse nacional. Queremos recuperar a dignidade na política exterior paraguaia e, neste sentido, isso vai marcar nossos relacionamentos bilaterais com outros países, entre eles, logicamente, nossas relações com um vizinho tão importante como o Brasil. Nós queremos seguir relacionando-nos com o Brasil, mas na perspectiva de dois países soberanos e iguais. Não desde a perspectiva de um país grande com um país pequeno, de um país doador e outro receptor, de um país generoso e de um país miserável. Queremos dialogar com o Brasil em igualdade de condições, desde a perspectiva de dois países autônomos, independentes e soberanos. Isso tem que ver não somente com o tema de Itaipu, mas também com a questão da cooperação bilateral. Nós estamos dispostos a seguir fortalecendo nossos vínculos com o Brasil, mas desde uma nova perspectiva e novos objetivos na cooperação. O documento que tinha que se assinar em Brasília era, para nós, um documento que não estava em condições de ser assinado pelo Paraguai. Em primeiro lugar, pela linguagem mesmo. Consideramos que a linguagem estava um pouco impregnado disto que eu dizia, um país grande com um país pequeno. Outro aspecto foi a determinação das prioridades. Muito do que se estabelecia ali em seu ordenamento tinha que ver com as prioridades da política exterior brasileira e não com os interesses nacionais paraguaios. Em terceiro lugar estava o conteúdo mesmo. Nós queremos estabelecer algumas questões que são fundamentais em nossas relações com o Brasil, como o tema dos migrantes, da reforma agrária, da luta contra o narcotráfico, do registro tributário único. Ou seja, uma série de pontos que vão mais além de Itaipu. Nossa agenda com Brasil não é só Itaipu. Temos uma relação bilateral muito intensa, mas é importante que o Brasil compreenda que hoje tem interlocutores diferentes, com outra visão em relação ao que se tinha há anos atrás.
O Paraguai também mantém negociações com a Argentina, com quem divide a gestão da hidrelétrica de Yaciretá. A Argentina inclusive já propôs renegociar a dívida paraguaia. Como estão as negociações?
Lacognata - O caso de Yaciertá tem suas especificidades próprias, diferentes de Itaipu. E bastante complexas também. Desde notas transversais que não foram aceitas pelo Congresso paraguaio, até tarefas pendentes como obras complementares. Nós tomamos um compromisso com o governo argentino, de imprimir um novo ritmo ao tema. Queremos que Yaciretá termine, para o bem dos países, porque acreditamos que, nas condições em que está, se converte em um monumento a uma relação bilateral falida, e neste sentido há instruções precisas do presidente de acelerar as conversações para avançar nesta questão. Eu estimo que, terminado o momento eleitoral na Argentina, vai haver um relançamento no tema de Yaciretá. As relações bilaterais entre os países passam por um momento muito bom. Sou muito otimista que poderemos avançar, apesar dos complexos problemas que existem.
O senhor recebeu informações sobre o fato de a Eletrobrás, sócia de Itaipu, estar negociando ações na Bolsa de Nova York e exigindo que o lado paraguaio aprove balanços e orçamentos da binacional? Que medidas o Paraguai pode tomar?
Lacognata - Temos a informação e de fato nos parece bastante preocupante. No entanto, não há uma posição oficial do Paraguai em relação a isto. E não expressamos esta posição justamente para não interferir no ambiente, nos ânimos das negociações. Mas, logicamente é um tema que nos preocupa e que, seguramente em seu momento o governo do Paraguai vai tomar medidas em relação à esta questão. Eu creio que é muito pouco oportuno, no momento em que se dá isso, que é um momento de maior sensibilidade nas negociações, em ambos os lados, esta questão colabora muito pouco coma geração de um ambiente necessário para culminar nas negociações.
Quem é: Nascido em Asunción e médico por formação, Héctor Ricardo Lacognata Zaragoza ocupava uma cadeira no Parlamento do Mercosul, desde 2008, até assumir como Ministro das Relações Exteriores do Paraguai. Ex-integrante dos partidos Encontro Nacional e Pátria Querida, Lacognata também já foi secretário-geral da Sociedade Paraguaio-Cubana José Martí. Atualmente está ligado ao Partido do Movimento ao Socialismo (P-MAS).
(Por Daniel Cassol, Brasil de Fato, 02/06/2009)