Ao amanhecer do dia 30 de maio, dona Leila Pereira, Kaiowá Guarani, do Acampamento Kurusu Ambá, município de Coronel Sapucaí, recebeu o aviso de que o corpo de seu filho, Osvaldo Pereira, estava na beira da estrada. Chocada com a notícia trazida pelo cacique Jonas, ela imediatamente se dirigiu ao local, que dista uns mil metros do acampamento. Lá chegando já se deparou com policiais presentes no local. Estes logo foram dizendo que se tratava de um “simples” acidente de trânsito e queriam levar o corpo. Porém, os membros da comunidade, que também chegaram nesta hora, impediram que isso fosse feito. Iniciou-se então mais um longo dia de angústia, dor e revolta em volta do corpo, no aguardo da Polícia Federal que fora solicitada para realizar a perícia. Isso, porém, não aconteceu. A comunidade esperou durante todo o dia, suportando o frio, a chuva, e horas com notícias de que a polícia viria, horas que não.
Já ia chegando a noite, sob forte nevoeiro quando chegou a confirmação de que, por falta de efetivo a Polícia Federal não poderia comparecer, mas que se comprometia a receber em caráter de urgência o inquérito do caso, e que no dia seguinte iria até o local. Assim a comunidade permitiu que o corpo fosse removido pela funerária Bom Jesus e levado para Coronel Sapucaia. Centenas de pessoas ao longo do dia puderam acompanhar a dor da comunidade, que não quis fechar a rodovia no intuito de não prejudicar ninguém.
O assassinato
Conforme relato da mãe de Osvaldo, dona Leila Pereira, por volta das 21 horas do dia 29, dois homens não indígenas chegaram convidando o indígena para sair com eles. Num ato não costumeiro o jovem saiu. A mãe não conseguiu identificar quem estava chamando o filho. Depois disso, já no início do dia seguinte, veio a notícia de que seu filho estava morto. Osvaldo tinha 24 anos, era casado e tinha um filho recém nascido, que por sinal estava no hospital, juntamente com a mãe. Recentemente ele havia sido escolhido como secretário da organização da comunidade.
O corpo apresenta marcas de tiro logo abaixo da costela e na cabeça, bem como sinais de ferimento possivelmente por faca. Para os membros da comunidade não restam dúvidas de que se trata de assassinato. As marcas recentes de pneu de trator próximo à cerca, do lado interno da fazenda que beira o local do crime, também denuncia a possível manobra de arrasar o corpo até a beira da estrada para simular um acidente. Outras evidências que demonstram que não foi um “simples” acidente, são a falta de freadas, ou mesmo vidros quebrados na rodovia.
Kurusu Ambá e o genocídio
Esta comunidade Kaiowá Guarani, com pouco mais de uma centena de pessoas, desde que retornou a seu tekoha, da qual foi violentamente retirara, está sob um processo de verdadeiro genocídio. Já são três as lideranças assassinadas, seis feridos, quatro presos. Estão à beira da estrada sob constantes ameaças, com tiros sendo disparados na direção do acampamento frequentemente. Conforme inúmeras denúncias da comunidade para delegações nacionais e internacionais de direitos humanos, suas lideranças continuam ameaçadas de morte. Crianças morrendo de fome.
Dependem totalmente de cestas básicas, que são insuficientes para alimentar minimamente os membros da comunidade. Choram quando lembram tanto sofrimento e não chega nenhuma solução para que possam voltar à sua terra, plantar e viver em paz. Kurusu Ambá faz parte dos 36 tekoha que os GTs da Funai estão identificando. A terra fica no município proporcionalmente mais violento do país, conforme estatística recentemente publicada. Até quando essa comunidade continuará submetida a esse processo genocida?
O sangue desta liderança derramado a beira da estrada, assim como os das outras, semeiam na comunidade resistência e esperança, no caminho da reconquista do seu tekoha.
Comunidade de Kurusu Ambá, 31 de maio de 2009.
(Cimi, 01/06/2009)