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crise econômica direitos humanos sustentabilidade e capitalismo
2009-06-02

Dois documentários geniais circulam pela web: Zeitgeist, the movie, 2007, e Zeitgeist Addendum, 2008. Produzidos e dirigidos por Peter Joseph, expõem as falácias e lorotas apregoadas durante os últimos cinqüenta anos pelos EUA e pela União Européia – os chamados “países centrais” – desvendando os mecanismos ocultos de um sistema monetário voltado exclusivamente para o lucro, totalmente insensível aos custos humanos, vinculado à ideologia neoliberal, suas políticas assassinas promotoras do livre mercado e demolidoras dos programas sociais.

No limite, o mundo globalizado caracteriza-se precisamente como uma “corporatocracia”, ou seja, é dominado pelas corporações. Então me ocorreu que ninguém melhor que Naomi Klein em seu último livro, A Doutrina do Choque – a ascensão do capitalismo de desastre, para dissecar o catastrófico poder corporativo. Segundo ela, o fenômeno ocorre na intersecção entre superlucros e megadesastres: “Estava claro que os desastres facilitadores estavam se tornando maiores e mais chocantes, porém o que estava acontecendo no Iraque e em New Orleans não era uma versão posterior ao 11 de setembro, pelo contrário, esses experimentos audaciosos com a exploração das crises eram o ponto culminante de três décadas de uma adesão rigorosa à doutrina do choque.” Algumas das violações mais infames dos direitos humanos de nossa época, interpretadas erroneamente como atos sádicos perpetrados por regimes antidemocráticos, foram cometidas com a intenção clara de aterrorizar o público a fim de preparar o terreno para a introdução das “reformas” radicais de livre mercado.

Na Argentina da década de 70, o “desaparecimento” de trinta mil pessoas sob o regime da junta militar fez parte da imposição ao país das políticas neoliberais da Escola de Chicago, do mesmo modo que o extermínio foi parceiro da mudança econômica no Chile. Em 1989, o massacre da praça da  Paz Celestial na China e as prisões de milhares de manifestantes facilitaram ao Partido a conversão de amplos setores do país a uma imensa zona de exportação, suprida com uma força de trabalho aterrorizada demais para reivindicar seus direitos. Na Rússia, em 1993, foi a decisão de Boris Yeltsin de enviar os tanques para bombardear o Parlamento e prender os líderes da oposição que abriu caminho para a escalada de privatizações, criando os notórios oligarcas do país. Nos anos 80, na América Latina e na África, a crise da dívida forçou os países a “privatizar ou morrer”; na Ásia, a crise financeira de 1997, dobrou os Tigres Asiáticos que por fim abriram seus mercados para “a maior liquidação de negócios falidos do mundo”, segundo o New York Times – eis como as corporações se apropriam dos valores e recursos do mundo inteiro.

Na verdade, as proezas de Bush representaram o ápice monstruoso de uma campanha de mais de cinqüenta anos pela total liberdade das corporações, compreendendo desde o agronegócio até os conglomerados de mídia. Após o 11 de setembro, o governo Bush se apropriou rapidamente do medo gerado pelos ataques, não apenas para deslanchar a “Guerra ao Terror”, como garantir que esta fosse voltada quase completamente para o lucro, uma nova e estimulante indústria que revitalizasse a economia norte-americana já à beira do crash, que efetivamente ocorreu sete anos depois.

Definido como um “complexo do capitalismo de desastre”, esse modelo possui tentáculos de alcance muito maior do que o complexo industrial-militar da era Eisenhower: trata-se de uma guerra global travada em todos os campos pelas empresas privadas, cuja participação é paga com dinheiro público, que se legitima indefinidamente pela necessidade de proteger o território dos Estados Unidos mediante a eliminação de todo o “mal” existente no mundo exterior.

O objetivo central das corporações que operam no centro desse complexo é trazer para o funcionamento regular dos Estados-Nação seu modelo de administração voltado para o lucro, que progride rapidamente sobretudo em circunstâncias excepcionais, reais e/ou fabricadas. Em síntese: trata-se de privatizar os governos. Do comércio de armas aos soldados privados, da reconstrução com fins lucrativos à indústria de segurança nacional, resultou do pós-11 de setembro uma nova economia totalmente articulada. Construída na era Bush, ela agora existe globalmente, independente de quaisquer governos, e vai continuar exercendo seu domínio absurdo e insano até que a ideologia das corporações, que a sustenta, seja identificada, isolada, questionada e colocada em cheque.

Parte II

Na década de 90, muitas companhias, que tradicionalmente fabricavam seus produtos mantendo grandes equipes de operários estáveis, adotaram o “modelo Nike”, ou seja, não seja dono de indústria alguma, fabrique seus produtos por meio de uma rede de contratantes e subcontratantes e gaste seu dinheiro com projetos de design e marketing. A alternativa era optar pelo “modelo Microsoft”: manutenção de um controle central rígido por parte de empregados/acionistas, chamado “núcleo de competência”, e terceirização de todo o resto com trabalhadores temporários. Essas companhias foram apelidadas “corporações ocas”, porque são unicamente formais, com um reduzidíssimo conteúdo.

Seguindo rigorosamente os princípios corporatistas, segundo os quais o Grande Governo une forças com os Grandes Negócios a fim de redistribuir os fundos para cima - entre os ricos - a segunda gestão Bush/Rumsfeld/Cheney, queria gastar menos com pessoal e transferir muito mais dinheiro público diretamente para os cofres das empresas privadas. Aliás, o dogma central do regime Bush era que a função do governo não é governar, isto é, cumprir as funções para as quais fora eleito, mas sim subcontratar a tarefa para o setor privado. Em síntese: por excelência, era um governo que atuava contra os interesses da população. De forma que o comprometimento do presidente Bush com o leilão do Estado, associado à liderança do vice Dick Cheney na terceirização das forças armadas americanas e ao patenteamento de remédios destinados a prevenir epidemias comandado pelo secretário de Estado Donald Rumsfeld, ofereceu uma visão do tipo de Estado que os três iriam construir: um “governo completamente oco”.

Então aconteceu o 11 de setembro. No relato de Naomi Klein, “ter um governo cuja missão central era a própria autodestruição não parecia boa idéia diante duma população aterrorizada, reclamando a intervenção de um governo forte e sólido”. Afinal, as falhas de segurança no 11 de setembro demonstraram as consequências de mais de vinte anos de sucateamento do setor público e de terceirização das funções governamentais para corporações movidas pelo lucro. Assim como o Katrina em New Orleans exporia as condições lastimáveis da infra-estrutura pública (e a cruel indiferença moral de seus políticos), os ataques revelaram um Estado que havia se tornado perigosamente fraco: equipamentos da polícia e bombeiros de Nova York quebraram em meio às operações de socorro, os controladores de tráfego aéreo falharam permitindo a ruptura dos circuitos de segurança dos aeroportos, uma vez que eram funcionários terceirizados cujos salários geralmente eram inferiores até aos dos garçons da praça de alimentação.

Klein observa que a desregulamentação da aviação civil começara no governo Reagan. Vinte anos depois, todo o sistema de tráfego aéreo havia sido privatizado, desregulamentado e enxugado, com a grande maioria do pessoal de segurança constituída por trabalhadores mal remunerados, mal treinados e não sindicalizados. A atitude das companhias aéreas quanto às medidas de segurança resumia-se em “aviltar, negar, adiar e reduzir custos”.

Mas tudo isso foi obliterado pela Guerra ao Terror lançada pela equipe de Bush – construída desde o começo para ser privatizada. Embora o objetivo declarado fosse a guerra contra o terrorismo, seu efeito foi a criação do complexo do capitalismo de desastre – uma nova economia apoiada em segurança doméstica, guerra privatizada e reconstrução de desastres, encarregada de construir e administrar um Estado de segurança privatizado, dentro e fora de casa. Se durante décadas o mercado vinha sendo nutrido com os apêndices do Estado, agora ele iria devorar seu núcleo.

Como protocapitalistas do desastre, os arquitetos da Guerra ao Terror fazem parte de um ramo de políticos corporatistas diferente de seus antecessores: para eles, as guerras e outros desastres constituem os fins em si mesmos. Quando Dick Cheney e Donald Rumsfeld fundem o que é bom para empresas como Halliburton, Lockheed, Carlyle, Bechtel e Gilead com o que é bom para os Estados Unidos e para o mundo inteiro, realizam uma espécie de projeção com conseqüências extremamente perigosas. Porque o que é positivo para tais companhias é o desastre – guerras, epidemias, enchentes, tsunamis e escassez de recursos.

Querem um exemplo? Segundo Naomi Klein, o plano de jogo de Washington para o Iraque era “chocar e aterrorizar o país inteiro, arruinar deliberadamente sua infra-estrutura, não fazer nada diante da pilhagem da sua cultura e história, depois tornar tudo aquilo correto por meio de um suprimento ilimitado de utilidades domésticas baratas e comidas prontas importadas: todo o Iraque seria comprado com DVDs, Pringles, Mcdonalds, Pizza Hut e cultura pop!”

O fato é que onde quer que tenha surgido, de Santiago a Moscou, de Beijing ao Iraque, com o governo Bush a aliança entre uma pequena elite das corporações com um governo de direita passou a ser retratada como uma espécie de aberração – capitalismo de patota,  capitalismo mafioso, capitalismo-cassino. Que quebrou em outubro de 2008.

Guy Debord escreveu não sei onde que “num mundo totalmente unificado é impossível exilar-se”, referindo-se a si próprio como contestador do sistema. Só que tal afirmação também é válida em sentido inverso: num mundo totalmente globalizado e informatizado tornou-se impossível ocultar a realidade sob o manto da ideologia.

(Por Márcia Denser*, Congresso em Foco, 22/05/2009)
*A escritora paulistana Márcia Denser publicou, entre outros, Tango Fantasma (1977), O Animal dos Motéis (1981), Exercícios para o pecado (1984), Diana caçadora (1986), Toda Prosa (2002) e Caim (2006). Participou de várias antologias importantes no Brasil e no exterior. Organizou três delas - uma das quais, Contos eróticos femininos, editada na Alemanha. Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, é pesquisadora de literatura brasileira contemporânea, jornalista e publicitária.
Os dois artigos do texto acima estão disponíveis nos links abaixo:
- http://congressoemfoco.ig.com.br/coluna.asp?cod_canal=14&cod_publicacao=28180
- http://congressoemfoco.ig.com.br/coluna.asp?cod_canal=14&cod_publicacao=28265


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