Houve um tempo em que a carne era um luxo para a maioria das pessoas, ou, pelo menos, era algo especial: preparar um assado para o almoço de domingo ou pedir um filé num restaurante. Mas isso mudou. A quantidade média de carne consumida por pessoa dobrou nos últimos 40 anos, segundo agência de alimentos e agricultura da ONU. Boa parte desse crescimento do consumo se dá em países em desenvolvimento, como Índia e China. Um novo estudo feito com mais de 500 mil americanos forneceu as evidências mais claras até agora de que o gosto pela carne vermelha vem cobrando um preço alto da saúde e limitando a longevidade. O estudo constatou que, quando outras condições são iguais, os homens e mulheres que consomem a maior quantidade de carne tendem a morrer antes das pessoas que consomem muito menos, especialmente de duas das maiores causas de morte no país -doenças cardíacas e câncer.
Os resultados do estudo foram divulgados em março no periódico "The Archives of Internal Medicine". Dirigido por Rashmi Sinha, epidemiologista nutricional do Centro de Câncer dos EUA, envolveu 322.263 homens e 223.390 mulheres de 50 a 71 anos. Cada participante completou questionários detalhados sobre sua dieta e outros hábitos, incluindo o tabagismo, prática de exercícios, consumo de álcool, escolaridade, uso de suplementos, peso e histórico familiar de câncer.
Durante os dez anos do estudo, 47.976 homens e 23.276 mulheres morreram, e os pesquisadores registraram o momento e as causas de cada morte. O consumo de carne vermelha (bovina, suína e de carneiro) dos participantes variou do mínimo de menos de 28 gramas por dia para o máximo de 113 gramas por dia, e o consumo de carnes processadas (presunto, bacon, salsichas) variou de no máximo uma vez por semana para a média de 42 gramas diárias.
O aumento de risco de mortalidade vinculado aos níveis mais altos de consumo de carne foi descrito como "modesto", variando entre cerca de 20% e quase 40%. Mas, extrapolados a todos os americanos na faixa etária estudada, as descobertas sugerem que, ao longo de uma década, as mortes de 1 milhão de homens e de ao redor de 500 mil mulheres poderiam ser evitadas simplesmente pelo consumo de menos carne vermelha e processada, segundo estimativas redigidas por Barry Popkin, que escreveu um editorial acompanhando o artigo.
Para prevenir as mortes prematuras relacionadas ao consumo de carnes vermelhas e processadas, Popkin sugeriu que as pessoas consumam um hambúrguer só 1 ou 2 vezes por semana, um bife pequeno uma vez por semana e um cachorro-quente a cada 45 dias. Em contrapartida, no estudo, os maiores consumidores de carne branca, como aves e peixes, apresentaram uma pequena vantagem em termos de sobrevivência. Aqueles que consumiram a maior quantidade de frutas e verduras também tenderam a viver mais.
Estudos como esse levantam a questão de se a carne é de fato um risco à saúde ou se outros fatores associados ao seu consumo são culpados pela elevação do risco de morte. Escolher proteínas de outras fontes que não a carne também tem sido vinculado a índices mais baixos de câncer. Quando a carne é cozida, grelhada ou assada, carcinógenos podem formar-se em sua superfície. E as carnes processadas, como salsichas, linguiças e salames, geralmente contêm nitrosaminas, embora hoje existam produtos livres desses carcinógenos. Os dados de 1 milhão de participantes no teste Investigação Prospectiva Europeia sobre Câncer e Nutrição revelaram que os participantes que consumiram menos peixe tiveram risco maior de desenvolver câncer do cólon do que os que consumiram mais de 50 gramas de peixe por dia.
Enquanto uma dieta rica em carnes vermelhas foi vinculada a um risco maior de câncer de próstata, num estudo realizado com 35.534 homens, os participantes que consumiram peixe pelo menos três vezes por semana apresentaram metade do risco de câncer de próstata avançado que os homens que raramente comeram peixe. Outro estudo, no qual mais de 19.500 mulheres consumiram uma dieta com baixo teor de gordura, constatou após oito anos uma redução de 40% no risco de câncer de ovário entre elas, comparadas a 29 mil mulheres com dieta normal.
(Por Jane Brody, The New York Times / Folha de S. Paulo, 25/05/2009)