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operação boi pirata corrupção no setor público
2009-06-01

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) segurou por quase nove meses a aplicação de uma multa de R$ 3 milhões ao Grupo Bertin S/A, uma das maiores redes de frigoríficos do País. Além da negligência administrativa, o engavetamento da multa, aplicada em 27 de julho do ano passado, ganha importância política porque o Grupo Bertin participou de uma operação ambiental de "sucesso" desencadeada pelo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, a quem o Ibama está subordinado.

Em agosto do ano passado, o Bertin arrematou em leilão os 3.100 "bois do Minc", como ficou conhecido o gado criado em área desmatada irregularmente que o ministro, em uma operação midiática, apreendera no Pará em junho de 2008. A negociação da manada estava a ponto de "micar", pela falta de frigoríficos interessados na compra. Naquele momento, os bois foram arrematados pelo Bertin, a empresa que tinha o auto de infração no valor de R$ 3 milhões literalmente estacionado em uma gaveta da gerência do Ibama em Marabá (PA). Normalmente, os autos de infração não demoram a virar processos administrativos de cobrança nos sistemas eletrônicos do Ibama. Tão logo retornam das missões de campo, os fiscais entregam na base das operações seus blocos de multa e os autos lavrados passam a integrar o Sicafi, como é conhecido o Sistema de Cadastro, Arrecadação e Fiscalização do órgão. Quando muito, a inclusão das multas no sistema leva um mês.

É a combinação da marcha lenta do processo de cobrança com a prontidão do Bertin de salvar a Operação Boi Pirata que chama a atenção. A operação foi deflagrada, segundo o ministro, para "pôr fim à moleza" dos ruralistas e combater o desmatamento para fazer pasto e alimentar os "rebanhos piratas". Já a multa à empresa foi aplicada durante fiscalização de rotina do Ibama. Os fiscais encontraram numa das unidades do frigorífico, em Santana do Araguaia (PA), um estoque equivalente a 10 mil metros cúbicos de lenha nativa. Segundo o auto de infração (nº 489.842), o Bertin não tinha documentos que pudessem certificar a origem da madeira.

"Gaveta"
O caso aumenta a pressão sobre o ministro. Minc tem trombado com colegas de Esplanada por divergências em torno de questões ambientais. Em entrevista anteontem (29/05), chegou a criticar a "casa da mãe joana" que seria o governo Lula. O auto de infração só foi lançado no sistema no dia 23 de abril, quase nove meses depois da aplicação da multa. Isso aconteceu quando já circulava nos gabinetes de Brasília a denúncia de que a multa teria sido "negociada". Minc foi um dos primeiros a serem comunicados da suspeita, que também corria no Congresso.

Quem levou a notícia ao ministro foi o deputado Luciano Pizzatto (DEM-PR). Dono de madeireira, Pizzatto é ferrenho opositor da gestão de Minc. No fim de março, ele recebeu de funcionários do Ibama um relato sobre o caso Bertin. Só depois desses fatos é que a multa acabou sendo localizada. O Ibama nega o acerto com o grupo. Encarregado de cuidar do assunto, o diretor de Proteção Ambiental do órgão, Luciano Evaristo, afirmou que a multa demorou a ser processada porque o auto de infração foi "esquecido" no armário de uma funcionária terceirizada do escritório do Ibama em Marabá. "Aqui ninguém negocia nada", disse Evaristo. "O auto foi encaminhado para Marabá, onde deveria ser protocolado, mas foi recebido por uma funcionária terceirizada que jogou na gaveta e saiu de férias." Ele deu o nome da funcionária Cleonice Aires Pereira. Procurada, por telefone, Cleonice negou.

Quando o Bertin topou comprar os "bois piratas" o ministro já havia gastado R$ 1 milhão para manter o rebanho apreendido e até admitia fazer um churrasco para as famílias inscritas no Fome Zero. Três leilões foram realizados, a pedido de Minc, pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Fracassaram por falta de interessados. Auxiliares do ministro chegaram a falar em boicote dos pecuaristas. Foi só no quarto leilão, realizado um mês após a multa aplicada ao frigorífico, que Minc conseguiu vender o gado. Ainda assim, por preço abaixo do pretendido. Inicialmente, o ministro pensava em arrecadar R$ 3,1 milhões. No quarto leilão, o Bertin arrematou os bois em lance único, pagando R$ 1,2 milhão por 3.046 cabeças.

Ainda no período em que estava "perdido", o auto de infração passou pela sede do Ibama, em Brasília. Evaristo diz que o documento fez essa viagem até a capital porque, logo após a autuação, os fiscais seguiram para Barra do Garças (MT), que era a base da operação. De Barra do Garças, disse ele, o papel teria de ser remetido para a gerência do Ibama em Marabá. "Passou por Brasília porque o malote foi enviado para cá. É assim que funciona." O "erro", admite Evaristo, só foi descoberto após a chegada ao Ibama da "denúncia" sobre a suposta negociação.

(Por Rodrigo Rangel, O Estado de S. Paulo, 31/05/2009)


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