Uma pesquisa para comparar a densidade populacional de macacos nas florestas nacionas (Flonas) de Saracá-Taquera e do Tapajós, no Pará, revela que espécies de macacos ameaçadas de extinção vivem na região em grandes grupos populacionais. O estudo mostrou, dentre outras novidades, que duas das 12 espécies de primatas investigadas na região e registradas no Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção, do Ministério do Meio Ambiente, ainda vivem nas duas unidades de conservação. Uma das novidades é que o cuxiú ou cuxiú-preto (Chiropotes satanas), espécie dada como extinta em algumas regiões do País, e o macaco-aranha-de-testa-branca (Ateles marginatus), cuja ocorrência está praticamente restrita ao sul do rio Amazonas, foram encontrados em grandes grupos populacionais nas Flonas. O primeiro, resiste na Flona de Saracá-Taquera; o segundo, na Flona do Tapajós.
Realizado pelo pesquisador da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), Pérsio Scavone de Andrade, a pesquisa, intitulada Estudos populacionais dos primatas em duas florestas nacionais do oeste do Pará, Brasil” e realizada entre 2005 e 2006, mostrou também aspectos interessantes da conservação das duas florestas nacionais e, ao mesmo tempo, fatores que interferem negativamente na preservação da fauna e da flora. Na Flona Saracá-Taquera, Andrade percorreu 800 quilômetros, a pé, e constatou velhas e registrou novas formas de assédio contra a conservação da unidade, que ameaçam não só os macacos, as onças pintadas e pardas, as jaguatiricas, as antas, as queixadas, os cachorros-vinagres e outras famílias de animais que vivem na região, mas também a flora e os rios.
Segundo ele, apesar das pressões, as duas Flonas ainda mantêm um bom nível de conservação, verificado por meio do considerável número de espécies de macacos sensíveis a qualquer tipo de transformação do meio ambiente. Andrade afirma que a região é o centro de dispersão dos platirrinos (infra-ordem de primatas, que inclui os macacos das Américas, com narinas distantes entre si e voltadas para os lados), de modo que muitas espécies de macacos têm a Amazônia como seu berço.
Contudo, apesar da boa conservação das unidades, o pesquisador não deixa de ressaltar as pressões que as duas florestas nacionais vem sofrendo. “Vivi em Santarém antes e depois da instalação de uma grande empresa de produção agrícola. O fato de ela ter se instalado em Santarém antes do licenciamento ambiental (e por causa disso foi fechada) e sair comprando soja e incentivando seu plantio, mudou sobremaneira as relações do homem com a terra. Onde antes se viam florestas, hoje existem enormes monoculturas de soja. Com isso, até os animais selvagens ficaram desnorteados e atacaram colonos”, afirma o pesquisador.
Contradições
Pérsio Andrade conta que viu também situações contraditórias com os objetivos das unidades de conservação que, paradoxalmente, colaboram com a conservação das florestas nacionais. É o caso da Flona Saracá-Taquera que, segundo ele, ainda mantém um bom nível de conservação e uma população de primatas superior à da Flona do Tapajós porque está isolada no norte do rio Amazonas e conta com uma mineradora, a qual, embora promova destruição da região e atraia trabalhadores para dentro da floresta, acaba controlando o acesso de pessoas à região. “Acreditamos que a pressão antrópica ou a caça tem contribuído ao longo dos anos para diminuir o número de primatas na Flona do Tapajós. A Flonta Saracá-Taquera tem a seu favor o maior isolamento e a proteção adicional da Mineração Rio do Norte que explora bauxita na região e ajuda a controlar a entrada de moradores na unidade”, avalia Andrade.
O estudo constatou que a Flona Saracá-Taquera é mais bem conservada do que a do Tapajós e, por isso, as espécies encontradas também estão mais bem preservadas. Saracá-Taquera está numa área de baixa densidade populacional e mesmo com a presença da Mineradora Rio do Norte (MRN), que retira anualmente 18 milhões de toneladas de bauxita, a região apresenta número maior de primatas do que o encontrado na Flona do Tapajós.
Na pesquisa, Andrade informa que cobertura do dossel é maior no rio Trombetas do que no rio Tapajós. A informação indica que a Flona do Tapajós sofreu exploração planejada e não planejada de madeira,o que pode ser um dos motivos do número de grupos de macacos ser menor do que o verificado em Saracá-Taquera. “Um exemplo de exploração não planejada foi o pau-rosa, cuja importância econômica se deve à extração de linalol, um fixador do perfume Chanell Número 5. Ele foi explorado até a exaustão: primeiro foram as folhas, depois os galhos e troncos e, por último, as raízes. Além do pau-rosa, outras espécies foram exploradas sem critério”, afirma o pesquisador.
O analista ambiental que atua na Flona Saracá-Taquera e na Reserva Biológica (Rebio) do Rio Trombetas, Gilmar Nicolau Klein, afirma que “o levantamento de Pérsio Andrade é interessante por ser uma linha de base para o monitoramento dos primatas, isto é, ele mostra como está o estado atual da comunidade, principalmente dos primatas frugívoros [alimentam-se de frutas], que são mais sensíveis”, explica. A pesquisa de Andrade, na avaliação de Klein, vai servir, no futuro, como parâmetro para medir o impacto que a exploração sustentável de madeira irá provocar na região. “Com a exploração iminente de madeireira na Flona Saracá-Taquera por meio de uma concessão florestal [em andamento na região], mesmo sendo de baixo impacto, serão cortadas árvores frutíferas que os macacos frugívoros utiliza e a partir daí, com a repetição do levantamento, pode-se acompanhar o impacto que o uso madeireiro irá causar sobre as espécies”, diz.
A Flona Saracá-Taquera foi criada em 1989, com 429 mil hectares, para proteger uma área de florestas para uso sustentável de recursos, dentre eles, as jazidas de bauxita. Com a criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), os objetivos da floresta nacional foram readequados aos novos conceitos de unidade de conservação preconizados pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC). A Flona do Tapajós, criada em 1974 com uma área aproximada de 545 mil hectares, foi a primeira Flona a ser criada na região amazônica. Das duas, ela é a que mais sofre pressão externa.
(Por Carla Lisboa, Ascom ICMBio, 29/05/2009)