A destruição da Floresta Amazônica para dar lugar a fazendas de gado foi pela primeira vez relacionada diretamente a padrões de consumo de carne e couro no mundo desenvolvido, segundo estudo a ser divulgado nesta segunda (01/06). A criação de gado é a causa individual mais importante da derrubada de floresta no Brasil. Esse negócio lucrativo serve tanto para satisfazer o gosto dos ricos em economias emergentes, tal qual China e Índia, como também em mercados já consolidados, incluindo a Europa e os EUA. O setor gera mais de US$ 7 bilhões em exportações por ano para o Brasil, e o governo brasileiro pretende dobrar esse valor.
Um relatório a ser divulgado pelo grupo ambientalista Greenpeace estabelece uma relação entre a expansão do gado na Amazônia e produtos - principalmente carne, couro e cosméticos - vendidos em supermercados e por marcas de luxo pelo mundo. Algumas companhias citadas no estudo como possíveis recebedores de produtos originados de áreas desmatadas disseram ao "Financial Times" que vão rever sua política de suprimento. Essa preocupação reflete a crescente demanda pelos consumidores por "rastreabilidade" dos produtos que eles compram, que foi exacerbada por recentes casos de contaminação de alimentos.
A Unilever disse que vai iniciar uma "auditoria de rastreabilidade" para garantir que nenhum de seus produtos venha de áreas desmatadas", apesar de a empresa já ter um código de conduta para seus fornecedores. A rede britânica de supermercados de classe alta Waitrose disse que vai examinar as evidências levantadas pelo Greenpeace e "realizar uma investigação", se necessário. A rede de supermercados Tesco disse que a carne que vende vem de áreas a 3.000 km da Amazônia.
A Kraft Foods disse que somente compra carne do Brasil para produtos vendidos na Itália e que suas compras totais correspondem a menos de 0,2% da produção de carne do Brasil. A Prada, grupo de produtos de luxo, negou que compre couro do Brasil. "O couro brasileiro é de qualidade baixa demais para nós. Nossos especialistas conseguiriam perceber a diferença."
O Greenpeace está pedindo às empresas que mantêm negócios com o Brasil para que elaborem políticas que garantam que nenhum de seus produtos venham de terras desmatadas. A rede varejista britânica Marks and Spencer disse que já tem procedimentos para garantir que a carne que vende venha somente de determinadas fazendas, nas quais os animais são identificadas e rastreados ao longo de todo o processo. Outros supermercados ouvidos pelo "Financial Times" disseram que seus fornecedores assinaram contratos garantindo que sua carne não vem da Amazônia.
Entretanto, o Greenpeace alega que muitos dessas cláusulas contratuais são meras formalidades e que os varejistas não têm procedimentos adequados para garantir que elas são respeitadas. A maior parte da exportação de carne do Brasil é feita por um punhado de empresas. Três delas, procuradas pelo "Financial Times", não responderam ao pedido de comentários. Uma quarta, a Bertin, processadora de carne e couro, disse: "Nós estamos trabalhando visando métodos mais sustentáveis , e isso é uma tendência para todo o setor." A International Finance Corporation (IFC), órgão que forneceu financiamento à Bertin, disse: "Houve progressos, mas restam alguns desafios".
Pessoas familiarizadas com a situação dizem que persistem problemas sérios. Um executivo do setor, que pediu para não ser identificado, afirmou: "O maior problema é controlar o comportamento dos pecuaristas. Muitos deles não têm nem mesmo a posse regular da sua terra". John Carter, um pecuarista texano que atua no Mato Grosso, disse: "Não há dúvida de que a produção de carne está migrando para a Amazônia".
(Por Fiona Harvey, Jenny Wiggins e Jonathan Wheatley, Financial Times / Valor Econômico, 01/06/2009)