Repercute ainda entre os setores anti-indígenas o resultado do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a regularidade da demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol em área contínua. Estes setores avaliam que houve equívoco na decisão, que reconheceu a legitimidade de todo o procedimento demarcatório realizado pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Embora inconformados com a decisão, estes grupos alimentam enorme expectativa avaliando que as 19 condicionantes acatadas pela maioria dos ministros da Corte Suprema, servirão como uma espécie de parâmetro para as demais ações demarcatórias a serem realizadas. Também esperam que, a partir das condicionantes, seja possível exercer pressão e/ou barganhar favores junto ao Poder Executivo, com o intuito de assegurar os privilégios historicamente concedidos para alguns setores sociais privilegiados no país, restringindo ainda mais os direitos indígenas.
Em função disso, as oligarquias rurais, os conglomerados econômicos da agroindústria, as grandes empresas produtoras de papel e celulose e as mineradoras, atraem até parlamentares ditos de esquerda para suas fileiras. É o caso do deputado federal Aldo Rebelo, do PC do B de São Paulo, atualmente um dos parlamentares mais aguerridos na defesa dos interesses do agronegócio. Tal propósito político faz dele um líder na resistência contra as demarcações de terras indígenas, de modo especial àquelas existentes nos estados de Roraima, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, sendo este último o estado mais visado pelos latifundiários e usineiros. Mas não é difícil entender as razões do deputado Aldo Rebelo quando se examina a lista de doadores de sua última campanha eleitoral.
Apesar de carregar em sua biografia uma militância de esquerda e de se eleger com os votos dos segmentos populares, o parlamentar defende hoje aqueles que antes combatia. Além de ser portador de idéias conservadoras a respeito dos direitos indígenas, em especial às demarcações de terras, o parlamentar se vale do ultrapassado discurso sobre a necessidade de integração dos índios, algo superado pela Constituição Federal de 1988, como também por estudos antropológicos, pelo movimento indígena do Brasil e de toda a América. As ações do deputado divergem da postura de outros parlamentares do mesmo partido, que atuam como importantes aliados das reivindicações indígenas no Congresso. Resta-nos saber qual a posição referendada pela direção do PC do B.
Mas não foi somente o referido deputado a mudar de lado neste contexto. Parlamentares de outros partidos, inclusive o do presidente da República, também se alinharam aos discursos pró-latifúndio. E não é por acaso que o governo federal tem colaborado, com dinheiro do BNDES, para a fusão de grandes empresas como a Aracruz e a Votorantim, a Perdigão e a Sadia, interessadas em explorar terras de indígenas, de quilombolas, de trabalhadores rurais.
Esta luta empreendida por aqueles que se colocam contra os direitos fundamentais estabelecidos na Constituição e pela defesa dos interesses eminentemente econômicos, se trava especialmente no âmbito do Congresso Nacional, onde estão sendo discutidos projetos de lei que têm o objetivo de inviabilizar as demarcações de terras. É o caso do Projeto de Lei nº. 4.791/2009, dos deputados Aldo Rabelo e Ibsen Pinheiro, que submete ao Congresso Nacional a demarcação de terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas, iniciativa flagrantemente inconstitucional, por se tratar de atribuição do Poder Executivo. Outro projeto polêmico é o de nº. 1.610/96, que libera a exploração mineral em terras indígenas, de autoria do senador Romero Jucá, parlamentar com uma histórica atuação anti-indígena. Mas observa-se também uma luta ideológica sendo travada, em especial, em alguns meios de comunicação, que visam consolidar o apoio social a questões que beneficiam unicamente alguns segmentos, já bastante favorecidos nas políticas atuais do governo federal. Nestes ditos "veículos de informação" veiculam-se apenas as versões que interessam àqueles que hoje procuram determinar o que podemos pensar e o que podemos almejar para o futuro.
De outro lado, observamos o movimento indígena e indigenista lutarem, há mais de 15 anos, pela aprovação de um novo Estatuto para os Povos Indígenas, iniciativa que regulamentaria a Constituição Federal em temas como demarcação de terras, assistência em saúde, educação, atividades produtivas, preservação ambiental, mineração entre outros. Mas esta proposta sofre bloqueios infindáveis de parlamentares da base aliada do governo, como também aqueles de oposição, exatamente porque o objetivo desta nova lei é regulamentar os direitos indígenas, tendo como princípio as garantias constitucionais para os mais de 240 povos indígenas do Brasil. O estatuto definiria regras para a utilização das terras indígenas, evitando a exploração indiscriminada de recursos naturais, o que é uma pretensão do atual governo e de seus aliados, através do Programa de Aceleração do Crescimento que prevê pelo menos 48 obras que afetam diretamente as terras indígenas.
É importante que sejam analisados os discursos, tanto de opositores ao governo Lula, como de sua bancada de sustentação, apresentados para legitimar as iniciativas contra os direitos indígenas. Para sensibilizar diferentes segmentos, tais discursos apelam para um nacionalismo infundado, afirmando que as lutas indígenas seriam motivadas por interesses contrários aos da nação e afetariam a soberania nacional, porque estão sendo demarcadas terras em faixa de fronteira. Estes discursos apelam também para prognósticos pessimistas, contabilizando prejuízos à economia nacional ou regional se as terras forem asseguradas aos índios.
Tais argumentos falaciosos não convenceram os ministros do Supremo Tribunal Federal, no caso específico do julgamento da demarcação da Terra Raposa Serra do Sol, pois não se sustentam juridicamente, mas têm mostrado uma enorme eficiência junto à mídia, que os reproduz para tentar conquistar a adesão da população. No entanto, o modelo de exploração sem limites dos recursos naturais e as prerrogativas de crescimento a qualquer custo tem se mostrado inviáveis na maioria dos países porque, do ponto de vista ecológico, atenta contra a vida em todas as suas formas e, do ponto de vista social, produz imensas desigualdades, condenando à fome, à miséria e ao abandono a maioria da população.
Aos povos indígenas resta a busca e a consolidação de novas alianças com setores populares sensíveis a sua realidade e a resistir a mais esta relação desigual e intolerante advinda de alguns setores do poder público e de segmentos da sociedade aliada ou aliciada pelos poderosos grupos econômicos.
Porto Alegre (RS), 27 de maio de 2009.
Roberto Liebgott, Vice-Presidente do Cimi.
(Cimi, 29/05/2009)