A noite já envolvia os barracos na beira da estrada onde em torno de 30 indígenas estavam em vigília, aguardando uma decisão do Tribunal Regional Federal-TRF, 3ª. Região, de São Paulo. Era visível a ansiedade pelo anuncio da decisão. Num barraco de um amigo do grupo, cercado de “flor da Amazônia” (uma espécie de mini girassol), e sentados no chão ou pedaços de madeira na estrada marginal, os Kaiowá Guarani procuravam fazer o tempo e a apreensão passarem, em demoradas discussões sobre a realidade, intercalada de comentários bem humorados para dissipar a angustia. Faride, uma das lideranças do grupo, não perdeu o bom humor, com seus comentários e interpelações francas e diretas, enquanto desabafava “Temos que ficar amoitados...se tiver decisão contra nós, não temos pra onde ir...vamos ficar na beira da estrada...tenho passado muitas emoções, muitos sentimentos presos, fazem dois dias que não como, já emagreci oito quilos...apesar da tristeza que estamos passando, a gente sabe achar alegria...”
Quando tocava o celular e vinha informação de São Paulo, um silêncio total e atenção redobrada em torno do pequeno aparelho que transmitia a informação. Às explicações da demora da decisão, todos se dobravam ao tempo, e voltavam a se acomodar em rodinhas de conversa. Foram também fazendo a memória dos acontecimentos mais importantes nesse quase ano e meio na retomada do tekoha. Foram lembradas as crianças que faleceram, das oito crianças que nasceram, do Adenir, de 19 anos que morreu atropelado na BR no mês passado...Mas também tiveram momentos de celebrar as visitas de várias delegações nacionais e internacionais que vieram conhecer a realidade e levar solidariedade, dos aliados que os acompanharam mais permanentemente, dos apoiadores de Rio Brilhante, como o sindicato dos trabalhadores rurais e os sem terra, também acampados na mesma região. Uma história sofrida, de muita luta, mas também de resistência e conquista.
A decisão favorável
Em documento assinado pela presidente do TRF 3ª. Região – São Paulo, Dr. Marli Ferreira, ela tece considerações sobre o pedido do Ministério Público Federal solicita mais 6 meses para a conclusão dos trabalhos antropológicos de identificação da área pela Funai, a desembargadora decide “Assim reconsidero a decisão de fls. que declarou a perda do objeto da presente, para o fim de conceder a dilatação do prazo improrrogável de 90 (noventa) dias, devendo a Polícia Federal acompanhar o representante da Funai e da Funasa pela propriedade vizinha na qual se encrava a área, seja quem for o proprietário, a fim de que possa realizar com a brevidade que o caso requer, e sem mais delongas, estudos necessários visando a retirada dos ocupantes desse local”, termina a decisão com forte cobrança ao órgão indigenista “Assim determino que a Funai apresente quinzenalmente, relatório referente aos andamentos dos trabalhos diretamente ao Juízo de origem, bem como os planos para a fixação definitiva desses indígenas, sob a pena de revogação dessa dilação. Cumpra-se com urgência, São Paulo 27 de maio 2009 – desembargadora Federal Marli Ferreira, presidente do TRF”
Novo momento – agradecimentos
Ao receberem a decisão os membros da comunidade, retornaram ao acampamento/aldeia, alegres e confiantes. Nhanderu (Deus) havia garantido justiça, o direito de permaneceram em seu território tradicional. Estavam também contentes porque tinham consciência de que essa vitória só foi possível por que eles permaneceram unidos e mobilizados e porque se mobilizaram amigos no Brasil e no mundo inteiro pelo direito pelo direito de viverem em paz em sua terra. Essa solidariedade foi mais concretamente manifestada também com a presença no local, da Caravana da Solidariedade, composta de organizações indígenas e movimentos sociais e sindicais do Mato Grosso do Sul, dia 26 de maio. A comunidade de Laranjeira Nhanderu solicitou em fosse manifestado a todos o agradecimento sincero por esse gesto pela vida e pela justiça.
Num estado que tem se manifestado tão agressivamente contra o direito dos povos indígenas de terem suas terras reconhecidas, a decisão do TRF significou um importante reconhecimento desse direito constitucional, ao mesmo tempo em que voltou a exigir do poder executivo, através da Funai, o inadiável cumprimento de sua obrigação de identificação e demarcação das terras indígenas.
A comunidade de Laranjeira Nhanderu, tem consciência de que não apenas conseguiram oxigênio para respirar e continuarem vivendo em sua terra, mas de que um novo momento, com enormes exigências e responsabilidades, está se iniciando. A partir do momento da notícia da decisão já logo começaram a conversar e pensar as urgentes ações que deverão fazer para garantir com que no novo prazo possam estar concluídos os trabalhos que sustentam a tradicionalidade de seu tekoha.
(Cimi, 28/05/2009)