Até o momento, buscou-se conter o desmatamento e a poluição penalizando seus autores. Contudo, quem vive da terra tem um olhar diferente sobre a natureza. Ao contrário dos românticos, que se encantam com a paisagem verde, a água limpa correndo e os sons suaves da mata, o homem do campo identifica áreas boas para plantar e calcula mentalmente quantas cabeças de gado pode engordar num determinado espaço ou quanto de esforço será necessário para arar e preparar o solo para sua próxima lavoura.
Na sua mente também estão os pedidos de brinquedos dos filhos, escola para pagar, consertos na casa, roupas, calçados, impostos etc., como para qualquer brasileiro. Viver do campo requer qualidades de empreendedor. É preciso planejar sozinho seu trabalho e ainda depender das condições climáticas – cada vez mais imprevisíveis – para obter um bom resultado. É preciso estar pronto para empunhar suas ferramentas debaixo de sol forte ou de chuva – ainda mais se não foi possível comprar tratores e outros maquinários para ajudar – e estudar como se financiar (ou o quanto se endividar) até a hora da colheita ou do abate.
Tudo feito direitinho, ainda resta o desafio de conseguir bons compradores. Se o resultado foi bom demais, haverá muita oferta de uma mercadoria perecível, e o preço cai, reduzindo o ganho planejado e muitas vezes colocando em risco a labuta de um ano inteiro. Em meio a tudo isso, é preciso incorporar a consciência ambiental e saber que, no planeta, escasseiam as matas e florestas, responsáveis por manter o clima, renovar o ar e limpar as águas. Assim, mesmo que as necessidades familiares pressionem, há terras que devem, sim, permanecer intocadas. Sair-se bem nessa atividade não é para qualquer um. Por isso, a migração do campo para a cidade é cada vez maior. Desde 2007, mais da metade da população mundial vive nas zonas urbanas.
Buscando conforto
Mesmo quem vive junto das florestas não conta com facilidades para obter uma vida confortável. A falta de conhecimento faz com que antigos hábitos predominem. Como o de extrair madeira sem controle ou planejamento e queimar o que resta para colocar gado em cima. Esta é a forma mais simples e imediatista que se conhece para evitar ter de migrar para o ambiente urbano.
Na região de Silves (AM), por exemplo, os jovens precisam ir para Itacoatiara ou Manaus ao terminar o ensino médio, já que o município é muito pequeno e não oferece cursos profissionalizantes ou faculdades. Muitos optam então por pegar suas canoas e navegar rio acima ou abaixo, até encontrar um bom ponto para se instalar. Ali, ocupam a terra e extraem a madeira – que é retirada nas cheias e puxadas pelas canoas até madeireiras que as compram. Com esse pequeno capital, abrem pastos e colocam bezerros, que funcionam como uma poupança. Eles continuam a viver da pesca, de frutas e de mandioca, enquanto o gado engorda até o ponto de ser oferecido às barcaças que passam e compram os melhores bois após calcular seu peso pelo rústico método de pendurá-los por uma cinta.
Assim, os jovens constroem novas comunidades, casam-se e têm filhos, que repetirão essa história, fazendo desaparecer outros pedaços da floresta. “Os estudos comprovam que o gado é a atividade menos lucrativa que um caboclo pode ter”, informa João Meirelles, do Instituto Peabiru, que atua há dez anos em defesa da biosociodiversidade da Amazônia. Seus esforços se concentram em ensinar aos moradores da mata como fazer bons planos de negócios, capazes de gerar renda com a floresta em pé. As atividades eleitas para esse fim são o ecoturismo, os produtos florestais não-madeireiros, a apicultura com abelhas nativas e a neutralização de carbono com iniciativas de reflorestamento. Nesta última, o Peabiru inova ao optar pelo plantio de espécies que contribuam para maior segurança alimentar e ofereçam alternativas de renda a partir de seus frutos e outros produtos. O trabalho inclui a formação de viveiros de mudas e a educação para a sustentabilidade.
A necessidade de um bom planejamento para encontrar o equilíbrio entre humanos e a mata é intensa. Afinal, os próprios índios tinham hábitos nômades por todo o Brasil. Extraíam tudo o que podiam de uma região e, depois, se deslocavam, deixando a floresta descansar e recompor-se. Hoje, só na Amazônia brasileira vivem mais de 2 milhões de pessoas, em cerca de 30 mil comunidades rurais ou periurbanas. Como então permitir esse descanso sem migrar para novas áreas?
Trabalhadores imperceptíveis
Falar em “descanso” para uma floresta é uma visão truncada, que reforça a sanha por cortá-la e transformá-la em “algo mais útil”. Na verdade, toda mata agrupa incontáveis “empregados invisíveis”, responsáveis por ciclos que renovam continuamente o ar, mantêm o clima do planeta e protegem as águas, entre tantos outros serviços ambientais.
Em fevereiro deste ano, um estudo da Universidade de Utrecht, da Holanda, concluiu que só a retenção de CO2 pela Floresta Amazônica teria um valor estimado de até R$ 226 por hectare, por ano. Um estudo do aviador e ambientalista Gérard Moss, da Expedição Rios Voadores, confirmou que a Floresta Amazônica exerce grande influência nos ciclos pluviais das principais regiões que movimentam a economia do país. Assim, remunerar quem mantém florestas em pé é uma idéia que vem sendo defendida em diferentes fóruns. Alguns acreditam que a remuneração pelo desmatamento evitado pode ser introduzida no próprio mecanismo de comércio de créditos de carbono. E já criaram um título para esse princípio: Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD).
Outros defendem que essa ação tenha verbas próprias, vindas de fundos criados com esse objetivo para não desvirtuar as regras do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). O Brasil aposta nesse caminho e já criou o Fundo Amazônia, que recebeu uma doação de US$ 1 bilhão da Noruega. Esse dinheiro será pago até 2015, caso o país consiga manter o desmatamento anual abaixo de 19.500 km², índice médio entre 1996 e 2005. Além disso, conta-se com o Programa Bolsa Floresta, mantido pela Fundação Amazonas Sustentável, que paga a quem se compromete a não desmatar e participa de aprendizados em busca de renda com atividades sustentáveis.
Agora, o país prepara-se para ampliar o conceito de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), abrangendo também ações de recuperação do que foi destruído. “Identificamos o PSA como um consenso entre produtores e ambientalistas. Assim, vamos investir nessa direção”, afirmou o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc. “Queremos inverter a visão de que cortar e vender dá dinheiro para a visão de que conservar dá dinheiro”, destacou Minc, explicando que o objetivo do PSA é remunerar o produtor ou o proprietário para que recupere o solo, a floresta, a margem do rio ou a qualidade da água no seu entorno.
Saindo na frente
“O importante é que o Brasil amadureceu. Nós nos convencemos de que não é possível combater a degradação e a perda da biodiversidade nem conservar as espécies ameaçadas de extinção apenas com o Ibama e a Polícia Federal. É preciso incorporar a população e pagar por isso. Assim, as pessoas poderão sobreviver recuperando o que foi desmatado e destruído durante tantos anos”, declarou o ministro no lançamento do um livro sobre o PSA, em março passado.
A ampliação do PSA depende de uma lei em votação no Congresso. A Câmara Federal quer votá-la em junho próximo, durante a Semana do Meio Ambiente. Alguns Estados saíram na frente, como o Espírito Santo, que aprovou uma lei de PSA em 22 de setembro de 2008, para ampliar a recuperação das bacias hidrográficas locais. Ali, produtores rurais da bacia do Benevente já recebem pagamentos por recuperar e proteger suas matas ciliares.
No Rio de Janeiro, 200 agricultores são pagos para recuperar as matas ciliares do Rio Guandu, que abastece 9 milhões de fluminenses. A própria Agência Nacional de Águas (ANA) utiliza a taxação de recursos hídricos para pagar os agricultores que replantam matas ciliares, reduzindo o assoreamento dos rios e melhorando a qualidade da água.
Essas experiências estão mostrando que o PSA pode, finalmente, conciliar a busca por renda de quem está no campo e nas matas com a necessidade global de conservação e preservação ambiental. Se, além disso, formos capazes de frear nosso crescimento populacional, poderemos, enfim, reduzir a pressão que ameaça romper a grande teia da vida na Terra.
(Por Neuza Árbocz, Instituto Ethos / Envolverde, 28/05/2009)