A soja RR (Roundup Ready), desenvolvida pela Monsanto e resistente ao herbicida glifosato, entrou no Rio Grande do Sul em 1995 a partir do contrabando de sementes da Argentina, caiu no gosto do produtor, foi legalizada a partir de 2003, virou objeto de disputa judicial sobre a cobrança de royalties e representa hoje, segundo estimativas extra-oficiais, algo entre 98% e 99% da produção gaúcha do grão, que alcançou 7,7 milhões de toneladas nesta safra. "Não faço mais sequer um negócio em que o comprador exija soja não-transgênica", afirma o diretor da corretora gaúcha Brasoja, Antônio Sartori.
Até 2003 e 2004, quando o governo federal cedeu à pressão de entidades representativas dos produtores e editou Medidas Provisórias legalizando as lavouras transgênicas, foram emitidos mais de mil autos de infração contra os agricultores que plantavam as sementes contrabandeadas ou multiplicadas em suas propriedades, lembra o superintendente do Ministério da Agricultura no Estado, Francisco Signor. A regularização definitiva veio em 2005, com a aprovação da Lei de Biossegurança (nº 11.105).
No início, o grande argumento em favor da soja transgênica era a redução dos custos totais, que em 2003/04 eram 9,8% inferiores aos das lavouras não-transgênicas, afirma o assessor da Federação das Cooperativas Agropecuárias do Estado (Fecoagro), Tarcísio Minetto. Hoje essa diferença caiu para 2% a 3% e os produtores ainda brigam na Justiça para não pagar para a Monsanto royalties de 2% sobre a safra obtida a partir da multiplicação própria de sementes. Mesmo assim o grão modificado venceu a parada graças à maior facilidade de manejo das plantações e nenhuma cooperativa faz segregação, observa o presidente da Fecoagro, Rui Polidoro Pinto.
Símbolo da resistência do plantio convencional no Estado, até a Cotrimaio, de Três de Maio, abandonou há duas safras a produção segregada que havia iniciado no período 1998/99 em busca de nichos de mercado diferenciados e preços maiores para o seu produto. "Não conseguíamos exportar [com certificação de soja não-transgênica] por falta de estrutura de segregação no transporte e na armazenagem", explica o vice-presidente da cooperativa, Antônio Wünsch, um dos maiores entusiastas, à época, das lavouras não-transgênicas.
Sem condições de exportar o produto segregado, a Cotrimaio vendia apenas para a Solae, uma joint venture entre Bunge e DuPont que produz ingredientes de soja para a indústria alimentícia em Esteio, na região metropolitana de Porto Alegre. O negócio ia bem, até que outro problema liquidou o programa: com o compartilhamento de colheitadeiras entre produtores, os resíduos de grãos modificados que ficavam nas máquinas contaminavam os não-transgênicos e o controle do processo nos 400 mil hectares destinados à cultura em 21 municípios tornou-se impossível para a cooperativa.
Na safra 2007/08 a Solae chegou o obter no Rio Grande do Sul 15% das necessidades da fábrica de Esteio, que processa cerca de 200 mil toneladas de soja por ano, e em outubro de 2008 anunciou que pretendia triplicar o volume no ciclo seguinte. Além do pagamento de um prêmio de 5% a 10% sobre o valor do produto, a empresa garantia a aquisição de 100% da colheita do fornecedor, mas a falta de opções reduziu a participação do Estado a 13% do suprimento da planta, afirma o gerente da empresa, Christiano Wide.
Segundo o executivo, a Solae tem cerca de seis ou sete fornecedores individuais no Rio Grande do Sul e compra no Paraná 87% da soja que consome, apesar dos custos maiores com o transporte da matéria-prima. De acordo com ele, a Solae também usava grãos transgênicos até 2008, quando optou por operar apenas com material convencional por uma "opção de mercado". De 55% a 60% da produção local de fibras e proteínas de soja é exportada para Europa, Japão e África do Sul, mas Wide não especifica o diferencial de preço recebido pela companhia nesses mercados.
Ele se recorda que o processo de segregação começou em 2005. O trabalho inclui a rastreabilidade das sementes, todas certificadas, e a exigência de higienização dos armazéns do produtor ou da cooperativa e dos caminhões que transportam a soja até a fábrica. A empresa faz coletas de amostras para análise na origem e na chegada a Esteio, e trabalha com tolerância de apenas 0,1% para transgenia, ante o índice de 0,9% adotado internacionalmente, revela o gerente. "Se a soja não atende os requisitos ela nem é descarregada".
(Por Sérgio Bueno, Valor Econômico, 28/05/2009)