O jornal O Estado de São Paulo apresentou nesta quarta (27/05) um follow-up de suas matérias de segunda-feira p.p. com um editorial intitulado "A degradante tutela". É impressionante o oportunismo criativo desse eminente jornal. Aproveita o artigo do filósofo Rosenfield, a entrevista do deputado Aldo Rebelo e duas matérias sobre a situação das aldeias guarani e kaingang do estado de São Paulo, para vociferar contra a Funai e a Funasa, em seus respectivos descasos pela situação indígena naquele estado, e, por extensão, em todo o Brasil. Para o Estadão essas matérias são mais do que suficientes para desmerecer a política indigenista brasileira e sua pouca atenção aos índios nesse momento.
O golpe de misericórdia é dado pegando o gancho aberto pelo deputado Rebelo, quando ele diz que o culpado disso tudo é a tutela que o Estado brasileiro exerce sobre os índios. Se tirar essa tutela os índios vão progredir à vontade. Talvez o deputado Rebelo, por força de sua convicção política, sua ideologia fechada e por ser jejuno na matéria, não queira entender ou não tenha elementos históricos para entender o que significa a tutela como instrumento de defesa do índio. Mas o Estadão sabe muito bem. Sabe pela história do país, pela tradição bandeirantista, sabe pela opinião do jurista Dalmo Dallari e sabe por experiência jornalística. Basta ver o que está acontecendo em outros países, como o Peru, para ver o que significa as populações indígenas não receberem a proteção do Estado.
Devassa na Funasa
A Funasa continua mostrando suas partes íntimas pelo Brasil afora. Agora é em Tocantins, onde uma devassa do Ministério Público, junto com a Polícia Federal, está expondo a corrupção do órgão em desvio de mais de 3 milhões de reais da saúde indígena. Trinta e duas pessoas estão sendo procuradas para responder a inquérito. Em especial o chefe da Funasa no estado do Tocantins, que já foi afastado. A PF pedia ao juiz a prisão de doze funcionários da Funasa e do estado de Tocantins, mas só recebeu a ordem de prender dois. São dois engenheiros da Funasa foram presos. Parece que até a secretaria comandada pelo pai do governador está em cheque.
Revolta em Tocantins e novela no Mato Grosso do Sul
Tocantins parece ser a bola da vez. Os índios Krahô, Apinajé, Xerente e Xambioá, normalmente muito tranquilos em relação à Funai, agora se rebelaram e invadiram a sua sede em Araguaína. Não estão gostando nada da atitude do novo administrador do órgão. Parece que ele nem às aldeias tem ido. Querem a sua saída de qualquer jeito.
Por sua vez, em Campo Grande, continua a novela de quem vai ser o chefe da administração da Funai. Será o Joãozinho Terena, que vem trabalhando há três meses como substituto, ou será alguém retirado do bolso do colete da Funai em Brasília para lhe dar chance de trabalhar uma candidatura política no próximo ano? A Funai promete resolver isso a qualquer momento, e assim acalma os Terena por um tempo. A novela corre desde que exoneraram Claudionor Miranda, jovem universitário terena, por acusação de desvio de recursos do órgão.
Decisão do STJ
Assunto inesperado, que deve merecer a atenção da Procuradoria Geral da Funai, da AGU e do Ministério Público, é uma recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, 2ª Turma, em Brasília, de que o Judiciário tem legitimidade para determinar se uma terra indígena deve ou não deve ser demarcada.
A Procuradoria da Funai, do Rio Grande do Sul, tinha contestado uma decisão da 4ª Turma do Tribunal Regional Federal no sentido de sofrer injunção para demarcar determinada terra indígena. Não sei qual terra é esta, mas a Funai alega que a decisão é administrativa e depende só dela. Agora, parece que a ingerência clara do Judiciário. Quer dizer, o Brasil está sendo judicializado de todos os modos. E o Executivo está inerme diante disso. O Legislativo, nem se fala.
Retirada de Kaiowás-guarani
A situação das famílias Guarani que haviam adentrado uma fazenda perto de Dourados, há um ano e meio, e que estavam sendo retiradas por força de ordem judicial, continua periclitante. Os índios, apoiados pelo CIMI e o movimento social da região, se recusaram a sair até que o Tribunal Regional Federal, 3ª Turma, em São Paulo, decida sobre um pedido de liminar que requer o estudo antropológico da área.
A decisão vai sair até amanhã. A Polícia Militar do Mato Grosso do Sul esteve na área ontem, e disse que esperará até o prazo fatal amanhã. É tiro na água. E mais sofrimento para os Guarani.
(Blog do Mércio, 27/05/2009)