Representantes do Brasil e do Paraguai trocaram duras acusações nesta quarta (27/05), em público, sobre a revisão do tratado de Itaipu, após reunião na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). As divergências demonstraram que os dois países ainda estão longe de um acordo. "Não viemos com a mão aberta mendigar nada. Com todo o respeito, é uma posição abusiva do Brasil", disse o diretor-geral paraguaio da hidrelétrica, Carlos Mateo. "Não existe energia de graça em Itaipu. Não faz sentido sair do conforto para especular no mercado livre", respondeu o diretor-geral brasileiro, Jorge Samek.
A Fiesp organizou uma mesa-redonda a pedido do Paraguai, que expôs sua proposta de negociar livremente no mercado brasileiro sua fatia da energia de Itaipu por meio da estatal Administração Nacional de Energia (Ande). Mateo contou aos empresários que o pleito é por abertura "gradual", mas não expôs qual seria o percentual inicial de energia ideal para o país. A principal divergência entre Mateo e Samek é se a proposta do Paraguai de venda direta de energia respeita o tratado de Itaipu. Eles demonstraram pontos de vistas opostos diante da imprensa. Por diversas vezes, pediram a palavra para "esclarecimentos" após o colega responder uma pergunta dos jornalistas. A entrevista coletiva, prevista para durar 20 minutos, estendeu-se por uma hora e meia.
Para o diretor-geral paraguaio, o parágrafo terceiro do tratado esclarece que a energia de Itaipu deve ser adquirida pela Eletrobrás e pela Ande ou por empresas indicadas. "O que acontece se a Eletrobras ou a Ande são privatizadas? Se até essa possibilidade está prevista, porque a Ande não pode vender energia no Brasil?", disse. Mateo repetiu três vezes que a postura do Brasil era abusiva. "É uma interpretação abusiva, que deriva de uma situação de predomínio do Brasil. Digo isso aqui em São Paulo ou no Paraguai". Ele reforçou que o pedido paraguaio não é um "delito ou pecado, mas um direito de soberania".
Samek foi categórico e disse que a Ande não pode vender energia no Brasil se a fonte geradora for Itaipu. Na sua avaliação, o parágrafo XXI do acordo esclarece que Ande e Eletrobras só podem adquirir a energia que não for utilizada pelo outro país para seu próprio consumo. O executivo disse ainda que o Brasil se endividou para construir a usina e agora precisa dessa energia para seu abastecimento.
"Itaipu não foi feita para ser um negócio até pagar o empreendimento", disse. Samek brincou que os governos militares criaram uma empresa "socialista" e explicou que a tarifa cobrada por Itaipu é calculada com base nas despesas (dívida, manutenção e royalties) divididas pela produção. Se parte da produção for liberada para o Paraguai, por menor que seja o percentual, a tarifa para o consumidor sobe. "Não existe almoço de graça em Itaipu", disse.
A visão de Samek não é consenso dentro do governo brasileiro. Uma alta fonte ouvida pelo Valor em Brasília disse que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva concordou que o Paraguai vendesse livremente a energia "adicional" que Itaipu produz em condições climáticas favoráveis e não está incluída nos contratos de longo prazo com as distribuidoras. Samek disse que desconhece esta visão e informou que está em estudo outra alternativa: a Ande venderia no mercado brasileiro a energia das usinas paraguaias de Acaraí e Iguaçu, que possuem 200 megawatts de potência cada, e o próprio Paraguai aumentaria seu consumo da energia de Itaipu.
A posição oficial da indústria paulista é contrária a proposta do Paraguai, embora fontes reconheçam que as empresas estariam dispostas a conversar. "Não vale a pena, porque essa energia já está dentro do sistema. No curto prazo, poderia ter uma diferença de preço, mas, no médio e longo prazos, não sabemos se o Paraguai vai subir as tarifas", disse Carlos Cavalcanti, diretor de energia da Fiesp. O Paraguai tenta atrair o empresariado brasileiro com o argumento de a entrada da Ande aumentaria a oferta de energia no mercado livre e baixaria os preços. Mateo disse ontem que a estatal paraguaia atuaria em conjunto com um sócio e revelou que está conversando com possíveis clientes e com empresas da área de energia.
(Por Raquel Landim, Valor Econômico, 28/05/2009)