A luta da população indígena do Brasil pela demarcação de terras gerou mortes, violência, intimidações e outras violações dos direitos humanos em 2008, segundo um relatório anual divulgado nesta quinta-feira pela organização não-governamental Anistia Internacional. O documento, intitulado "O Estado dos Direitos Humanos no Mundo 2009", com dados relativos ao ano passado, destaca o atraso nas decisões judiciais para demarcação de terras e afirma que "a persistente discriminação deve ser o fundamento para a formação de políticas, prestação de serviços e aplicação da Justiça".
O relatório cita o episódio ocorrido em maio do ano passado, quando homens encapuzados atiraram e lançaram bombas incendiárias contra um grupo de índios da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, ferindo dez pessoas. "Os ataques foram atribuídos aos fazendeiros de arroz que ocupavam ilegalmente a terra que havia sido demarcada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2005", afirma o relatório.
A situação dos indígenas foi ainda um dos pontos de maior destaque na sessão do relatório dedicada às Américas. "Da região mais ao norte, próxima ao Ártico, à extremidade sul da Terra do Fogo, populações indígenas das Américas vivem um histórico de marginalização e discriminação", afirma o relatório. "Muitos ainda não contam com reconhecimento constitucional e os direitos às terras de seus ancestrais são ignorados".
Economia x Direitos Humanos
A parte do relatório dedicada ao Brasil ainda ressalva que, apesar da expansão econômica do país e projetos sociais financiados pelo governo, "as desigualdades na distribuição de renda e riqueza permaneceram uma das mais altas da região". O porta-voz da instituição para o Brasil, Tim Cahil, disse, em entrevista à BBC Brasil, que, apesar do destaque que o país conquistou nos cenários regional e internacional recentemente, o Brasil "falha" em implementar políticas efetivas de direitos humanos.
"A mensagem é que o Brasil tem a responsabilidade de garantir os direitos humanos dentro de casa. Esse crescimento econômico e a liderança regional e internacional não deveriam acontecer em detrimento dos diretos humanos", disse Cahil. "As políticas de investimento como o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e o crescimento agroindustrial não se refletem na melhoria de vida das comunidades mais precárias, como os indígenas e as populações das favelas". "As comunidades mais pobres continuaram a ter acesso negado a serviços, a sofrer atos de violência comandados por gangues e violações sistemáticas dos direitos humanos por parte da polícia".
Sem-terra
A Anistia ainda destacou que a violência contra trabalhadores sem-terra continuou no ano de 2008, com "tentativas de criminalizar movimentos que, no seu esforço para tentar garantir a reforma agrária, apoiam pessoas sem terra". O relatório voltou a criticar, em sua edição de 2009, o sistema de justiça criminal brasileiro, salientando que a estrutura é caracterizada por "negligência, discriminação e corrupção". "Apesar de ter havido uma redução nas taxas de homicídio, comunidades pobres nos centros urbanos e pequenas cidades do interior continuaram a registrar altos índices de crime e violência".
(Por Fernanda Nidecker, BBC Brasil / Folha Online, 27/05/2009)